2 Filhos de Francisco
A primeira cena do longa, bem curta, mostra um show real, já atualmente. A câmera filma a multidão, mas não vemos os cantores. Ouvimos apenas suas vozes e a partir daí regredimos para 1962, quando começa a história dos dois filhos de Francisco. O espectador já conhece o fim do percurso, mas é exatamente o caminho que levou os dois irmãos ao sucesso notório de hoje que preenche o filme e surpreende o público. Francisco, vivido com um prazer perceptível por Ângelo Antônio, é um lavrador humilde, ignorante e fascinado pela música rural. Casado com Helena, muito bem interpretada por Dira Paes, é determinado desde o nascimento do primeiro filho (Zezé, ou melhor, Mirosmar) em fazer com que a partir de uma carreira musical ele possa ser alguém. Francisco é obcecado por essa idéia que acredita ser a única chance de uma vida melhor para os filhos. Por apostar de tal forma em algo que parece impossível, é visto como um louco. E realmente, apesar de os fatos serem reais, o personagem às vezes parece saído de uma fábula, tão incomuns são as atitudes que ele é capaz de tomar para investir em seu sonho. Troca pertences por instrumentos musicais para Mirosmar e Emival (os cantores mirins Dáblio Moreira e Marco Henrique), abandona a terra e se muda para Goiânia, onde a dupla poderia dar certo, cai no conto de um empresário picareta a quem confia os dois filhos (José Dumont), e por aí vai.
O longa de Breno Silveira tem o que falta a grande parte dos filmes nacionais, sobretudo os mais comercias como esse: um bom roteiro. É sim propaganda para a dupla, inegavelmente. Isso se torna óbvio principalmente nas últimas cenas, que mostram o Zezé e o Luciano reais com a família. E em alguns momentos (poucos e curtos, diga-se de passagem) não resiste e descamba para o melodrama ao rememorar a morte de Emival. Mas o que não falta ao filme são qualidades capazes de colocá-lo entre as mais corretas produções do cinema nacional mais recente. A primeira parte da projeção, amparada sobretudo em Francisco e nas crianças Mirosmar e Emival, atrai de cara o espectador, com doçura. A segunda, já focada no Zezé adulto, representado por Márcio Kierling, perde um pouco o ritmo. Ainda que não esteja mal no papel, Kierling às vezes é incapaz de despertar no público o carisma do ator mirim. Mas a esse ponto do filme o espectador já foi conquistado pela história, pela empatia entre Ângelo Antônio e a dupla infantil, que já não é a mesma entre Márcio Kierling e Thiago Mendonça, intérprete de Luciano.
2 Filhos de Francisco traz no enredo um Brasil rural que ainda não estamos muito acostumados a ver. A relação dos personagens com a conjuntura histórica é bem eficiente para ilustrar esse mundo. Há ótimas passagens e frases que mostram de forma engraçada a ignorância do povo simples em relação ao período da ditadura militar. A reconstituição de época em geral é boa. O figurino dos personagens durante a década de 80 é perfeito. O diretor foi muito feliz na escolha das cenas, capazes de contar a história de maneira precisa, sem delongas. Mérito, aliás, não só dele, mas também da montagem e da edição. Breno Silveira é direto no que quer dizer ao público. Para tanto faz uso de planos curtíssimos e de outros bem longos, sempre eficientes em passar ao espectador uma determinada idéia. Tudo isso substitui a linguagem verbal e contribui para não deixar o filme explicativo. Não é preciso usar sempre a fala dos personagens se há a possibilidade de recursos como close-ups, enfocando a expressão facial das pessoas e suas reações aos acontecimentos, planos-detalhe e sequências longas centradas, sobretudo, na linguagem corporal (como uma das primeiras cenas entre Zezé e Zilú). O elenco é em sua maioria excelente e os coadjuvantes são um espetáculo à parte. Lima Duarte, Jackson Antunes e José Dumont premiam o público com participações deliciosas. O filme, com orçamento de 6,3 milhões de reais, é uma grande produção para os padrões brasileiros. Durante os precisos 119 minutos que o espectador passar na sala de cinema assistindo à essa projeção pode ser que chore, dê gargalhadas e venha a admirar a trajetória dos sertanejos, ainda que não suporte a música que eles fazem. Excetuando-se os fãs de Zezé di Camargo e Luciano e os admiradores desse gênero musical em geral, é pouco provável que alguém saia do cinema direto para o show mais próximo da dupla. Mas 2 Filhos de Francisco, além de todas as suas inúmeras qualidades, tem um trunfo que não se pode negar: sabe envolver o público, conquistá-lo e fazê-lo se emocionar.