domingo, junho 25, 2006

Pergunte ao Pó

Não, eu não me desloquei até a Barra da Tijuca para assitir esse filme. Não por falta de vontade, mas por uma séries de desventuras com a letra p: pobreza, problemas e preguiça. Mas como sou uma excelente hostess, compenso a minha ausência dando a vocês mais um texto que não é meu. Hoje as palavras não são daquele que se impôs como meu subtituto oficial, nosso politizado Felipe Sembalista. Quem assina essa crítica é um nome novo - não necessariamente jovem - por aqui. Se o Felipe não ficar esperto e largar um pouco essa vida de DACO, perde o emprego. Sem mais delongas, Pergunte ao Pó, por Igor Costoli.








Pergunte ao Pó (Ask the Dust, EUA, 2006) é uma adaptação da obra homônima do escritor John Fante, e era um projeto pessoal de 30 anos do diretor e roteirista Robert Towne (Chinatown). Das coisas relevantes a serem ditas sobre o texto de Fante, a que resume mais rapidamente seu espírito e importância é seu prefácio escrito pelo admirador e declarado influenciado pela sua obra, Charles Bukowski.
Collin Farrel (O Novo Mundo) é Arturo Bandini, um aspirante a escritor em busca de sucesso e dinheiro na Los Angeles dos anos 30/40. Na época da Grande Depressão americana, carregar um sobrenome confundível com descendência mexicana não lhe abria portas. Aos poucos se descobre que inspiração lhe fazia mais falta que os minguados níqueis que não possuía.
Sentindo-se tão ridículo por roubar leite quanto humilhado por dever a senhoria da pensão no Bunker Hill, Arturo conhece a garçonete Camilla (Salma Hayek), e aí começa uma relação áspera, de troca mútua de ofensas e agressões. Arturo é um escritor de muita sensibilidade, e por isso mesmo era de se esperar – e entender isso pela carta de seu editor é dos momentos máximos do filme - que fosse tímido e não conhecesse as mulheres ou a vida, por ter medo de ambas. Por não saber falar com uma mulher, acaba por ser sempre grosseiro voluntária e involuntariamente com as que encontra, incluindo a patética mas cativante Vera Rivkin, uma ótima atuação da atriz Idina Menzel.
Salma havia recusado o papel quando 8 anos antes ele lhe fora oferecido. À época, não gostaria de ficar marcada por uma personagem que a estereotipasse, argumento justo. Filmes, sucesso e reconhecimento depois, Towne não poderia ter feito melhor escolha para a interpretação de uma mulher forte, dura às custas do preconceito que sofre e interessada em um futuro melhor. No papel para o qual Johnny Deep e Val Kilmer estiveram cotados, Farrel não decepcionou, ao contrário. E isto vale menção, já que Arturo é o filme.
Perdido e autodepreciativo. Com estas duas características, é difícil pensar que Bandini realmente acredite em seus sonhos. Se Farrel e seu Arturo são a exata noção do destempero, rude quando sabemos estar fraco, perdido quando esperaríamos que fosse forte, o filme é um retrato de uma época através do estilo que concebeu. Pergunte ao Pó não é um filme noir, mas seus personagens o são. A época de ouro de Hollywood aparece como mãe do famoso gênero do cinema, homenageado não em sua forma, mas em conteúdo. As personagens estão perdidas demais, desiludidas demais, e o que lhes sustenta, quando sustenta, é a pose.
“Como vai o livro?”, pergunta o velho Hellfrick. “Vai”, responde Arturo. “Pois continue indo, garoto. Não morra nessa terra como morremos todos nós”. Velho e alcoólatra, o Hellfrick de Donald Sutherland não está ali apenas para ser o “eu amanhã” que Arturo deveria temer. Em O Dia de Gafanhoto (de John Schlesinger, 1974), Sutherland fez o papel de um homem ingênuo e desastrado, numa película sem muita sutileza na hora de mostrar o que a Hollywood da época de ouro do cinema americano fazia à alma das pessoas.
A se destacar que o amor de Arturo e Camilla é um sentimento que está ali o tempo todo, ainda que só se vejam as constantes trocas de farpas entre o casal, e a inabilidade dos dois em deixarem para trás o sofrimento e a discriminação que carregaram para uma Los Angeles vermelha e solitária. Não se engane: todos estão sós.
Sem resposta. E isso diz tudo sobre Pergunte ao Pó.

quarta-feira, junho 14, 2006

Alfies

Há poucos dias assisti Alfie - O Sedutor. O filme de 2004, dirigido por Charles Shyer, é uma nova versão de Como Conquistar As Mulheres, dirigido por Lewis Gilbert em 1966, que só hoje tive a oportunidade de ver. O original, inglês, trazia Michael Caine como o conquistador patológico que cai em crise de consciência. A refilmagem coloca Jude Law dentro dos impecáveis ternos do irresistível mulherengo. O Alfie de Caine vivia suas aventuras românticas na Londres da década de 60, ainda fechada para certas liberdades do amor. O de Law pula de cama em cama na Nova Iorque do século XXI, onde tudo é permitido.
Refilmagens costumam me deixar com o pé atrás. Se um filme foi significante a ponto de se tornar um clássico, não há porque filmá-lo novamente. E se um filme foi ruim a ponto de ser esquecido... bem, talvez ele mereça uma segunda chance, se o enredo valer a pena. A verdade é que há casos e casos. Psicose, refilmado em 1998, é um exemplo a não ser seguido. O filme de 1960 só é o que é por causa de seu diretor. Hitchcock não é considerado o mestre do suspense por acaso. A mesma trama nas mãos de Gus Van Sant, recuperada em um outro momento da história do cinema, rendeu um filme absolutamente desnecessário. O mesmo não se pode dizer do golpe de mestre dado por George Clooney ao tomar o personagem de Frank Sinatra na refilmegam de Onze Homens e Um Segredo. A nova versão comandada por seu amigo Steven Soderbegh em 2001 deu tão certo que ganhou uma inusitada continuação em 2004 e já está com sua terceira parte no forno. Mesmo com a balança equilibrada, não me agrada a idéia de filmarem novamente títulos como Crepúsculo dos Deuses, ainda que Hugh Jackman interpretasse no cinema o Joe Gillis que lhe rendeu elogios no teatro inglês, ou Butch Cassidy, principalmente se for infame a ponto de dar a Ben Affleck o personagem que se tornou memorável na pele de Paul Newman. Para o meu alívio, ambas as idéias parecem ter sido esquecidas.
Voltemos a Alfie. No quadro de prós e contras das refilmagens, a repaginada do sedutor conta pontos à favor. Se não se pode dizer que é necessária, pode ser considerada ao menos interessante. É fidelíssima, em termos de estrutura, composição e imagem à obra original, embora faça mudanças na história e acresecente um tom de contemporaneidade ao visual - o que nem sempre tem bons resultados - mostrando vida própria. Mas, como de praxe, não supera o filme que lhe antecedeu e, a bem da verdade, não chega a atingir o melhor dele.
Comparações e paradoxos entre um longa e outro são inevitáveis, obrigatórios e renderiam uma boa retórica. No entanto, o que há de mais interessante nas duas versões são as discrepâncias sutis - ou não - no caráter do protagonista. As diferenças entre o Alfie da segunda metade do século XX e o do início do século XXI são as linhas decisivas no percurso do espectador ao entrar na viagem proposta pelo filme e fazem com que ele desembarque em pontos que não estão muito longe um do outro mas que são, sim, distintos. O homem reflete seu meio e sua época. Vários atores recusaram o papel de Alfie no filme de Lewis Gilbert por tocar no tema do aborto, ainda um forte tabu na época. De 1966 para 2004 qualquer constrangimento dessa natureza se tornou mais tolerável pela sociedade e Nova Iorque é hoje o ecótone das liberdades sexuais. Mas a diferença na constituição do personagem está além do tempo-espaço.
Alfie é essencialmente machista, charmoso e irresistível para as mulheres. Não por causa da aparência física, que não é ruim, mas pelo je ne sais pas que revela. Nós conhecemos o sujeito real à medida que ele se apresenta para a câmera e isso cria uma initmidade com o espectador do lado de cá. Fica dificíl dizer se o personagem soaria tão carismático não fosse o artifício metalinguístico. O Alfie de Michael Caine é irresistível em seu charme rude, de homem estúpido que não sabe sequer o que significa sensibilidade. Não se prende às mulheres e não as ilude, mas não evita que elas se agarrem a ele. Em sua essência há a necessidade de ser percebido e amado. Egoísta, egocêntrico e altruísta, desapegado à quase qualquer vida que não seja a sua, parece destrutivo por natureza. As mulheres são para ele um objeto a ser usado numa relação de troca em que ele pouco dá e muito recebe, mas que, ele vai descobrir, lhe é por fim desvantajosa. O que há de mais delicioso no filme original está escondido pelo roteiro: descobrir ao longo dos acontecimentos o quão vulnerável, fraco, covarde e patético Alfie é na verdade. E o que é interessante, ele é sempre abandonado pelas mulheres que o amam, ainda que não se importe de perdê-las.
O roteiro da versão século XXI é menos corajoso. A trama se torna mais regular, as explicações são fáceis e a transição do protagonista de conquistador incurável para mulherengo arrependido carrega no drama e perde na ironia. O mesmo final é ácido com Maichel Caine e apenas triste com seu colega de sotaque britâncio. O Alfie de Jude Law é também irresistível e tem a mesma necessidade de amor. Mas é refinado, às vezes delicado e não envolve as mulheres com seu discurso excessivamente desapegado. Ele diz o que elas querem ouvir e abandoná-las à partir de certo ponto já é um hábito. As mudanças não são ruins e o personagem vai bem nas maõs de Law. Mas como se sentisse pena de seu protagonista, o roteiro não permite que ele se revele um homem digno de dó por trás daquela carcaça de charme. Ele oferece ao personagem uma oportunidade de redenção quando faz com que ele enxergue em um relance o quão vazia é sua vida.
Apiedar-se de um personagem, se envolver emocionalmente com ele à ponto de não deixar que ele mostre seus defeitos mais feios para o público, é frustrante. ALfie - O Sedutor é mais um caso comum de cópia que não alcança o peso do original. O filme de 66 fez barulho no Oscar, no Glbo de Ouro, no BAFTA, em Cannes e até no Grammy. Ao todo, foram 19 indicações, mas apenas 3 prêmios. O filme de 2004 levou o Globo de Ouro de melhor canção original por Old Habitts Die Hard e não foi além de impulsionar a carreira de Jude Law e seu romance com a colega de elenco Sienna Miller. Impossível de esquecer, mas difícil de lembrar.