segunda-feira, janeiro 08, 2007

Diamante de Sangue



Martin Scorsese fez bem a Leonardo DiCaprio. Se a arte cinematográfica não ganhou muito com suas primeiras parcerias – Gangues de Nova York, de 2002, e O Aviador, de 2004 – o ator parece ter tirado grande proveito delas. Com duas indicações a melhor ator em drama no Globo de Ouro 2007 – por Os Infiltrados, a terceira cria da sociedade com Scorsese, e Diamante de Sangue – DiCaprio pode não ser o melhor ator do ano, mas exibe sinais de amadurecimento que não deixam dúvida. O garoto de rostinho bonito por quem as adolescentes suspiraram em Romeo+Julieta, que alcançou o estrelato ao protagonizar Titanic em 1997, tem agora 32 anos e uma capacidade dramática consideravelmente mais versátil.
Em Diamante de Sangue (Blood Diamond, Estados Unidos, 2006), DiCaprio é Danny Archer, ‘garoto branco nascido na África’ como o próprio personagem se define, traficante de armas para a Frente Revolucionária Unida (FRU). A trama se passa em Serra Leoa no ano de 1999, quando a guerra civil atingia seu auge. A FRU invade aldeias e cidades matando, mutilando, transformando meninos em guerrilheiros e o exército sequer disfarça as arbitrariedades que comete na briga pelos diamantes extraídos ilegalmente, que tem como conseqüências diretas a ultraviolência, a miséria e o exílio forçado de um sem número de civis. Os diamantes de sangue, como ficam conhecidos, são interceptados às escuras em Londres e se espalham pelas vitrines de joalherias de todo o mundo para, junto a pedras garimpadas legitimamente, tornarem-se 'the girls best friends', nas palavras da Marilyn Monroe de Os Homens Preferem as Loiras.
Também envolvido no tráfico de diamantes, Danny é detido na tentativa de contrabandear pedras para a Libéria e na prisão conhece Solomon Vandy (Djimon Hounson), pescador de etnia Mendy separado da família durante um ataque da FRU à sua aldeia. No garimpo de trabalhos forçados para onde é levado pelos guerrilheiros, Solo encontra um diamante cor-de-rosa que passa a ser alvo da cobiça de Danny. Assim como usa Solo para conseguir o que quer, Danny é usado por Maddy Bowen (Jennifer Connelly), jornalista norte-americana interessada em escrever sobre as pedras ilegais, em busca de fatos passíveis de serem provados. O diamante encontrado por Solo representa para o trio principal a chance única de que cada um alcance aquilo que objetiva. Como já explicam alguns dos posteres, para o pescador afastado da mulher e dos filhos a pedra significa a liberdade; para o ex-mercenário, a fortuna; e para a repórter obcecada pela causa social, a verdade.
Diamante de Sangue é aquele tipo de filme em que a realidade brinca de ser ficção. As comparações com O Jardineiro Fiel (2005) e Hotel Ruanda (2004) têm sido recorrentes, já que os três gritam em alto e bom som por uma causa comum: a violência e o subdesenvolvimento na África, seus motivos e conseqüências. Longe de ser um romance acima da indisfarçável desordem do continente como o belo filme de Fernando Meirelles, ou a ficção ultrarealista que é o Hotel Ruanda de Terry George, o longa dirigido por Edward Zwick é um thriller de ação (muita ação), com um pano de fundo verdadeiro demais para ser esquecido.
Danny Archer, Solomon Vandy e Maddy Bowen são personagens da ficção – o altruísmo de Maddy raramente sobreviveria no mundo real, a moral da história e a redenção do personagem corrompido não negam as opções clássicas de um roteiro cinematográfico. O romance e o desenvolvimento da ação no enredo remetem a um roteiro ficcional, mas a ligação dos personagens com o ambiente que os cerca – e, no caso de Danny e Solomon, os condiciona – mantém a lógica e faz o espectador cair em si o tempo todo. O que assistimos já foi real em Serra Leoa e ainda é em muitos países da África.
O trabalho consciente, preciso e seguro de Edward Zwick pouco faz lembrar a direção de O Último Samurai. Em Diamante de Sangue, a câmera é caótica – não poderia deixar de ser, já que passeia pelo caos – e não se atém a uma única imagem da guerra por mais do que poucos segundos. O panorama assustador se constrói na tela por uma sucessão de quadros que chocam – mulheres e crianças aos berros, corpos expostos pelo chão, crianças empunhando armas, em meio à pobreza e ao abandono extremo – e pela hábil exploração do espaço fora de tela. A beleza natural do continente, a despeito de todas as suas mazelas, é freqüentemente ressaltada pela fotografia dos filmes que têm como cenário o espaço africano e aqui não é diferente.
A guerra em Serra Leoa terminou em 2002. Antes disso, uma mostra de boas intenções em prol do fim dos conflitos na África já começava a aparecer: o Processo Kimberley é um acordo entre diversos países e determina que o percurso de cada pedra de diamante seja fiscalizado a partir do garimpo. Diamante de Sangue talvez tenha boas chances no Oscar e nas demais premiações do cinema ao redor do mundo, assim como o esforço de Leonardo DiCaprio. Duro é saber que ainda falta muito para que a vida real ganhe um final feliz, tão mais fácil de se ver na ficção.

2 Comentários:

Às 10:02 PM , Blogger makakai disse...

deu vontade de ver o filme, são interessantes esses filmões que aproveitam pra contextualizar com uma situação social critica como a da Africa...

 
Às 8:43 PM , Anonymous Anônimo disse...

Excelente crítica, Isabella. Deu até vontade de ver ao filme, que, por sinal, não tenho vontade de assistir justamente por ser protagonizado por DiCaprio, o ator que mais desprezo no mundo cinematográfico. Muitos dizem que ele está sinalizando amadurecimento, mas isso não ficou nenhum pouco perceptível em seu irregular desempenho no milionário O Aviador. Mas pelo contexto um tanto realista, merece uma conferida em DVD.
Continue atualizando-se, pois sempre passarei por aqui.
Beijos!

 

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