quarta-feira, junho 14, 2006

Alfies

Há poucos dias assisti Alfie - O Sedutor. O filme de 2004, dirigido por Charles Shyer, é uma nova versão de Como Conquistar As Mulheres, dirigido por Lewis Gilbert em 1966, que só hoje tive a oportunidade de ver. O original, inglês, trazia Michael Caine como o conquistador patológico que cai em crise de consciência. A refilmagem coloca Jude Law dentro dos impecáveis ternos do irresistível mulherengo. O Alfie de Caine vivia suas aventuras românticas na Londres da década de 60, ainda fechada para certas liberdades do amor. O de Law pula de cama em cama na Nova Iorque do século XXI, onde tudo é permitido.
Refilmagens costumam me deixar com o pé atrás. Se um filme foi significante a ponto de se tornar um clássico, não há porque filmá-lo novamente. E se um filme foi ruim a ponto de ser esquecido... bem, talvez ele mereça uma segunda chance, se o enredo valer a pena. A verdade é que há casos e casos. Psicose, refilmado em 1998, é um exemplo a não ser seguido. O filme de 1960 só é o que é por causa de seu diretor. Hitchcock não é considerado o mestre do suspense por acaso. A mesma trama nas mãos de Gus Van Sant, recuperada em um outro momento da história do cinema, rendeu um filme absolutamente desnecessário. O mesmo não se pode dizer do golpe de mestre dado por George Clooney ao tomar o personagem de Frank Sinatra na refilmegam de Onze Homens e Um Segredo. A nova versão comandada por seu amigo Steven Soderbegh em 2001 deu tão certo que ganhou uma inusitada continuação em 2004 e já está com sua terceira parte no forno. Mesmo com a balança equilibrada, não me agrada a idéia de filmarem novamente títulos como Crepúsculo dos Deuses, ainda que Hugh Jackman interpretasse no cinema o Joe Gillis que lhe rendeu elogios no teatro inglês, ou Butch Cassidy, principalmente se for infame a ponto de dar a Ben Affleck o personagem que se tornou memorável na pele de Paul Newman. Para o meu alívio, ambas as idéias parecem ter sido esquecidas.
Voltemos a Alfie. No quadro de prós e contras das refilmagens, a repaginada do sedutor conta pontos à favor. Se não se pode dizer que é necessária, pode ser considerada ao menos interessante. É fidelíssima, em termos de estrutura, composição e imagem à obra original, embora faça mudanças na história e acresecente um tom de contemporaneidade ao visual - o que nem sempre tem bons resultados - mostrando vida própria. Mas, como de praxe, não supera o filme que lhe antecedeu e, a bem da verdade, não chega a atingir o melhor dele.
Comparações e paradoxos entre um longa e outro são inevitáveis, obrigatórios e renderiam uma boa retórica. No entanto, o que há de mais interessante nas duas versões são as discrepâncias sutis - ou não - no caráter do protagonista. As diferenças entre o Alfie da segunda metade do século XX e o do início do século XXI são as linhas decisivas no percurso do espectador ao entrar na viagem proposta pelo filme e fazem com que ele desembarque em pontos que não estão muito longe um do outro mas que são, sim, distintos. O homem reflete seu meio e sua época. Vários atores recusaram o papel de Alfie no filme de Lewis Gilbert por tocar no tema do aborto, ainda um forte tabu na época. De 1966 para 2004 qualquer constrangimento dessa natureza se tornou mais tolerável pela sociedade e Nova Iorque é hoje o ecótone das liberdades sexuais. Mas a diferença na constituição do personagem está além do tempo-espaço.
Alfie é essencialmente machista, charmoso e irresistível para as mulheres. Não por causa da aparência física, que não é ruim, mas pelo je ne sais pas que revela. Nós conhecemos o sujeito real à medida que ele se apresenta para a câmera e isso cria uma initmidade com o espectador do lado de cá. Fica dificíl dizer se o personagem soaria tão carismático não fosse o artifício metalinguístico. O Alfie de Michael Caine é irresistível em seu charme rude, de homem estúpido que não sabe sequer o que significa sensibilidade. Não se prende às mulheres e não as ilude, mas não evita que elas se agarrem a ele. Em sua essência há a necessidade de ser percebido e amado. Egoísta, egocêntrico e altruísta, desapegado à quase qualquer vida que não seja a sua, parece destrutivo por natureza. As mulheres são para ele um objeto a ser usado numa relação de troca em que ele pouco dá e muito recebe, mas que, ele vai descobrir, lhe é por fim desvantajosa. O que há de mais delicioso no filme original está escondido pelo roteiro: descobrir ao longo dos acontecimentos o quão vulnerável, fraco, covarde e patético Alfie é na verdade. E o que é interessante, ele é sempre abandonado pelas mulheres que o amam, ainda que não se importe de perdê-las.
O roteiro da versão século XXI é menos corajoso. A trama se torna mais regular, as explicações são fáceis e a transição do protagonista de conquistador incurável para mulherengo arrependido carrega no drama e perde na ironia. O mesmo final é ácido com Maichel Caine e apenas triste com seu colega de sotaque britâncio. O Alfie de Jude Law é também irresistível e tem a mesma necessidade de amor. Mas é refinado, às vezes delicado e não envolve as mulheres com seu discurso excessivamente desapegado. Ele diz o que elas querem ouvir e abandoná-las à partir de certo ponto já é um hábito. As mudanças não são ruins e o personagem vai bem nas maõs de Law. Mas como se sentisse pena de seu protagonista, o roteiro não permite que ele se revele um homem digno de dó por trás daquela carcaça de charme. Ele oferece ao personagem uma oportunidade de redenção quando faz com que ele enxergue em um relance o quão vazia é sua vida.
Apiedar-se de um personagem, se envolver emocionalmente com ele à ponto de não deixar que ele mostre seus defeitos mais feios para o público, é frustrante. ALfie - O Sedutor é mais um caso comum de cópia que não alcança o peso do original. O filme de 66 fez barulho no Oscar, no Glbo de Ouro, no BAFTA, em Cannes e até no Grammy. Ao todo, foram 19 indicações, mas apenas 3 prêmios. O filme de 2004 levou o Globo de Ouro de melhor canção original por Old Habitts Die Hard e não foi além de impulsionar a carreira de Jude Law e seu romance com a colega de elenco Sienna Miller. Impossível de esquecer, mas difícil de lembrar.

2 Comentários:

Às 8:56 PM , Anonymous Anônimo disse...

Apesar de todo o senão, seu texto manteve minha vontade de assistir ao filme. Mais um praquela lista que não diminui nunca...

 
Às 10:53 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

Acho ótimo quando isso acontece!
Mas como a porcaria do computador mineiro está desconfigurado, escrever aqui é um martírio e reler é um ato de bravura, então não sei se meu texto saiu como eu gostaria.
=[

 

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