quinta-feira, março 02, 2006

Capote

Capote (Capote, Estados Unidos, 2005) é um filme impecável. Do protagonista ao modo de narrar a história, tudo parece ter sido meticulosamente calculado para sair na medida adequada. Philip Seymour Hoffman já provou ser um ator extremamente competente nos papéis de coadjuvante a que foi confinado durante toda a sua carreira e ganhou aqui sua grande chance para o Oscar como estrela principal do longa dirigido pelo estreante Bennett Miller. Hoffman emagreceu dezoito quilos, conseguiu uma caracterização física parecidíssima com a do verdadeiro Trumam Capote e está irritantemente bem na pele do escritor que dá nome à trama, falecido em 1984 devido a complicações com o alcoolismo. Capote foi um dos mais afamados escritores norte-americanos das décadas de 50 e 60, autor de Bonequinha de Luxo e Música para Camaleões. O filme recria com zelo uma passagem ímpar de sua vida, que deu origem à última de suas obras, o romance de não-ficção A Sangue Frio. Em 1959 uma pacata família foi violentamente assassinada no interior do Kansas. Esse fato brutal atraiu a atenção do escritor, que viu ali o tema para um bom artigo. Enquanto acompanhava o desenrolar das investigações e depois de conhecer os dois assassinos, presos em Las Vegas e devolvidos ao Kansas, Capote passou a enxergar no caso material suficiente para um livro inteiro, que revolucionaria a literatura de não-ficção.
O longa mantém um tom de suspense cheio de classe e a relação que se estabeleceu entre Capote e um dos assassinos, Perry Smith (Clifton Collins Jr.) é o alicerce da trama. Desejando à todo custo compreender as razões do crime, o escritor se aproxima daqueles que o cometeram, mas Perry lhe desperta um fascínio que o outro criminoso não desperta. Durante os cinco anos que dedicou ao seu livro, eles intensificaram um vínculo sofrível de identificação, atração e necessidade mútua. Os dois homens não eram em sua essência tão diferentes. Tiveram infâncias muito parecidas, marcadas por dificuldades e abandonos, mas seguiram caminhos inversos, um denominador que instiga o interesse de Truman. Ainda assim, com vidas desiguais, o escritor e o assassino são semelhantes por se destacarem do habitual. Capote incomoda por seus trejeitos femininos, a voz aguda e o modo de vestir destoante do convencional. Perry é introspectivo, extremamente sensível e inteligente, um contraste agressivo com a resignação que mostra diante do crime que cometeu. Da forma como é apresentado no filme, não é difícil compreender o fascínio que esse homem provocou no escritor. Clifton Collins Jr. chama a atenção, imprimindo gravidade e mistério a seu personagem. Um homem comum, pequeno, sem nada demais em sua aparência, mas com um olhar forte e uma voz imponente que parecem torná-lo onipresente na tela. A Phillip Seymour Hoffman foi dada a delicada missão de construir um protagonista que desperta mais antipatia do que empatia. Capote, com sua língua crítica e afiada, gostava de concentrar as atenções em torno de si. Era um sujeito egocêntrico, egoísta, manipulador e nos soa por vezes realmente detestável. Mas ao longo do filme vamos nos familiarizando com a tênue linha que Hoffman criou para libertar seu personagem da simples carcaça de maneirismos e lhe conceder uma humanidade real.
É difícil dizer se Capote realmente se afeiçoou a Perry Smith, mas é bastante evidente que esse homem era para ele uma mina de ouro. Seus segredos guardariam o que o escritor acreditava serem as bases para uma obra literária brilhante. Assim, o envolvimento de Capote com os assassinos condenados à pena de morte pelo crime se dava na medida de seus interesses. Quando lhe convinha atrasar a execução da sentença, contratava bons advogados. Mas quando se apropriou de tudo o que precisava saber sobre a personalidade de Perry para caracterizá-lo em sua obra, já esgotado pelos anos de imersão naquele caso, lhe convinha que o final da história chegasse logo. Não havia mais porque ajudar os assassinos a ganharem tempo antes da morte. O escritor soube conquistar a confiança de Perry para conseguir o que queria e o manipulou em prol de seus fins artísticos e literários. Mas foi também manipulado pelo outro e não conseguiu escapar ileso dessa teia que construiu. O final da trama, ainda mais tenso que todo o resto, deixa claro que Perry tomou consciência de como foi usado e soube jogar com esse trunfo psicológico em seus últimos momentos para não permitir que o amigo saísse de tudo aquilo tão impune quanto gostaria. Capote nunca mais terminou um livro depois da experiência de A Sangue Frio. Seus meios para tecer o que se tornou um prisma da literatura de não-ficção lhe custaram mesmo a sanidade e a alma.
A também escritora Harper Lee, amiga íntima de Capote que viu seu clássico O Sol é Para Todos ser transformado em filme durante esse meio tempo da trama, ganhou lugar de destaque na história e Catherine Keener concorre ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel. Da sua maneira educada e elegante, o texto faz insinuações à preferência sexual da autora. Num ano em que a Academia mostra uma tendência a realizar o que vem sendo chamado por alguns de o "Oscar gay", Capote se insere bem no contexto. O Globo de Ouro, tido normalmente como o termômetro do Oscar, deu visibilidade às produções nesse sentido, confirmando O Segredo de Brokeback Mountain como o grande favorito da noite do dia 5 de março, premiando Felicity Huffman pelo papel de um transsexual em Transamerica e o próprio Phillip Seymour Hoffman como melhor ator de drama. Além de trazer um protagonista homossexual, Capote exigiu de seu intérprete sacrifícios físicos para a caracterização do papel, o tipo de coisa que a Academia adora oscarizar. Inclinações à parte, ainda não é certo que Hoffman e Huffman levarão as estatuetas que têm também como fortes concorrentes o casal de Johnny e June, Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon. É bem verdade que o Oscar não costuma surpreender muito, mas nunca se sabe. Caia nas mãos que cair, o prêmio para o melhor ator de 2005 não será desmerecido.

8 Comentários:

Às 6:40 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Tá aí Capote, o último cavaleiro do Apocalipse. Hum... quantos eram mesmo os cavaleiros? Whatever...

 
Às 12:33 PM , Anonymous Anônimo disse...

engracado, eu vi capote na sexta e te digo que acabou o filme e fiquei na duvida se tinha gostado ou nao. fiquei um bom tempo pensando e só no sábado cheguei a conclusao que o filme era bom. ele é diferente, em varios sentidos, desde o tempo qnt a forma em que eh contado. e as vezes vc fica em duvida sobre o carater do persongame principal, se ele está fazendo aquilo para ajudar os presos ou se ele é um fdp que quer apenas escrever um livro importante! acho q o ponto alto da trama eh o envolvimento entre perry e truman que eh mto bem desenvolvido nos dialogos e nas acoes dos atores.

boa critica, como sempre, isabella. me fez lembrar boas passagens dos filmes e fortalecer a ideia de que o filme é bom e os atores tb estao perfeitos (gostei da lembranca do onpresente Clifton Collins Jr.). que venha a festa do oscar!

 
Às 3:11 AM , Blogger Marcela Bertoletti disse...

Bom ainda nao vi o filme, acabei de ver o Oscar e ele realmente ganhou de melhor ator, e tenho certeza de que foi merecido.
Acho que a gente tem que ler a critica antes de ir ao cinema msm, e pelo q vc disse acredito q o filme seja mt bom, ja vi q nossos gostos costumam bater em realção aos filmes.

E ai gostou do Oscar?

Bjao

 
Às 12:31 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

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Às 12:31 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

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Às 1:22 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

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Às 2:48 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

3 comentários-resposta meus apagados. Meu lado megalomaníaco achou por bem fazer um texto bem gde e com foto pra responder os posts daqui! =]

 
Às 8:37 PM , Anonymous Anônimo disse...

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lolikneri havaqatsu

 

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