domingo, fevereiro 19, 2006

Johnny e June

Gandhi deu o Oscar para Bem Kingsley. Virginia Woolf para Nicole Kidman. Bella Lugosi para Martin Landau e Ray Charles para Jaime Foxx. Será que o lendário cantor Johnny Cash fará Joaquin Phoenix levar a estatueta em 2006? E a queridinha de Hollywood Reese Whiterspoon será oscarizada por seu desempenho como June Carter? Muitas perguntas, nenhuma resposta por enquanto. E se pensarmos bem, o Oscar não tem tanta importância assim. Phoenix não parece estar preocupado com isso. Mais interessado nos meios do que nos fins, como de costume nem se incomodou em conferir o resultado de seu trabalho. “O que me interessa é a experiência de interpretar, e não me ver atuando”, explica. O ator não tem mesmo motivos para sentir-se inseguro em relação ao papel que lhe valeu o Globo de Ouro. Foi o próprio Johnny Cash, que se tornou fã de Joaquin depois de vê-lo como Commodus em Gladiador, quem o escolheu para personificá-lo no cinema. O mesmo aconteceu com Reese, escolhida por June Carter para representá-la. Os dois músicos, já falecidos, pareciam estar mesmo afinados na vida real, pois passaram a responsabilidade de serem reconstruídos na tela para as mãos de um casal fictício dono de uma química adorável.
Johnny e June (Walk the Line, Estados Unidos, 2005) não traz nada que nunca tenha sido visto antes. Estão lá todos os elementos de uma cinebiografia clássica, que levaram milhões de espectadores às lágrimas recentemente em Ray e que o cinema brasileiro soube nacionalizar tão bem no ainda mais atual Dois Filhos de Francisco (embora seus protagonistas sejam menos adeptos do “sex and drugs” que os dos colegas de tema): a infância pobre e sofrida, o amor precoce pela música, o talento digno de projeção, o álcool, a bebida e as mulheres que chegam junto com a fama, a decadência por conta dos vícios e, claro, a volta por cima para demonstrar como a celebridade em questão foi uma personalidade digna de admiração, apesar de todo e qualquer deslize. Mas a biografia de Johnny Cash, o homem que sacudiu a música country com a rapidez de seus acordes e com a obscuridade de suas letras, não pretende ir mais a fundo, optando pelo romance e se afastando do melodrama declarado de seu companheiro Ray. E quando eu digo romance, subentendam-se aí todos os clichês da palavra: redenção romântica depois de muito sofrimento, premiada com um belo final feliz, ainda que uma abordagem dessas seja apenas um recorte da história real. O que não é ruim, haja visto que essas são apenas características intrínsecas ao gênero. Não é que faltem momentos tensos no desenrolar da trama, mas Johnny e June é por excelência uma história de amor, bem desenvolvida, com protagonistas célebres, como sugere o aparentemente ridículo título em português, capaz de definir a índole desse filme com mais eficiência do que o título original.
June Carter ganhou tanta importância na trama quanto Johnny Cash. Mais: sem ela essa história não existiria. June aqui é a alma do músico. Companheira de palco, melhor amiga, maior inspiração, grande paixão, salvação de sua vida que desanda. E o que há de original no filme dirigido por James Mangold (Garota-Interrompida) é o desempenho do casal principal, que faz a trama pulsar, tornado-a verdadeira e envolvente. Joaquin Phoenix encarna Johnny Cash - um homem introspectivo, autêntico e incapaz de se manter na linha - com uma perfeição assombrosa. O próprio ator cantou todas as músicas em cena e é de arrepiar quando ouvimos sua voz forte anunciando “I´m Johnny Cash”. Impossível não acreditar em suas palavras. Todos os seus momentos em cena são grandiosos e cheios de personalidade. Reese Whiterspoon faz um bom trabalho como June Carter, explorando seu carisma e mantendo um timing impecável.
Como todo e qualquer filme cujo protagonista é um astro da indústria fonográfica, a música emoldura toda a história, preenchendo as ligações entre as cenas, os saltos temporais e todo o resto. E a trilha é deliciosa. Há closes interessantes, que parecem nos aproximar da história e de seus personagens. O figurino é deslumbrante. A narrativa flui de forma prazerosa, com um ritmo bom de acompanhar. Pode ser que os grandes fãs do cantor se frustrem pela imersão tão rasa em sua intensa biografia. Johnny e June é simpático, gostoso, umas vezes consegue nos comover, outras vezes consegue nos animar. Mas não tem nada de explosivo. Ao contrário do mito que homenageia, esse filme anda na linha. E com seu jeito morno sabe conquistar.

3 Comentários:

Às 7:56 PM , Anonymous Anônimo disse...

Também adorei o filme. Pois é, 2005 foi um ano ótimo pro cinema. Muitos filmes excelentes (e infelizmente o Oscar só pode indicar cinco por ano).

Depois que eu fiquei sabendo que o Joaquim Phoenix cantou com a própria voz, fiquei ainda mais impressionado! Ele tá muito bem!

 
Às 1:44 PM , Anonymous Anônimo disse...

Comentários pós-oscar:

1) Seria legal se Joaquim Phoenix tivesse levado a estatueta, não por encarnar maravilhosamente não um personagem mas uma pessoa em carne e o osso, quase o próprio Johnny Cash. E tb seria legal pq faria jus a bela dupla formada como Reese Whiterspoon que tb estava maravilhosa e merceu o oscar!

2) Uma outra coisa boa é que o filme mostra Cash e seus problemas, mostra June Carter como sua companheira fiel, seu "grilo falante" particular e termina com Cash em seu auge! Não mostra ele em final de carreira como sua doenca degenerativa e etc. O porém eh que não toca no filme a minha querida e triste "Hurt", musica do ultimo o penultimo album do cantor antes de morrer em 2002 (se tiver interesse baixe a musica que vale a pena!!!)

 
Às 2:46 PM , Blogger Isabella Goulart disse...

Johnny e June é gostosinho demais! E o Joaquin Phoenix tá brilhante! Delícia de filme. Como eu queria ter visto o Oscar de melhor ator nas mãos do Joaquin, todo de preto como costumava fazer o Johnny.
Mas o espírito do filme tá mais pra Walk the Line do que pra Hurt mesmo...
=D

 

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