sexta-feira, agosto 18, 2006

A Prova

"The biggest risk in life is not taking one". "If you don´t believe in yourself, who will believe in you?". Não, não são frases roubadas de odiosos manuais de auto-ajuda. Sim, parecem. Mas são as chamadas nos cartazes de A Prova. Enquanto escolhia um deles para ilustrar a crítica, achei que os dizeres me vinham a calhar. Escrever sobre filmes é das coisas que mais gosto de fazer na vida. Mas apesar de umas postagens esporádicas nos últimos meses, crítica mesmo, feita por mim, há séculos não se via por aqui. E quanto mais tempo fico sem praticar, mais me pergunto se tenho algum talento e se a cada dia não perco mais e mais o jeito. Enfim, vamos à prova.
Catherine (Gwyneth Paltrow) dedicou anos de sua juventude a cuidar do pai, Robert (Anthony Hopkings), um gênio da matemática que terminou seus dias esclerosado. Prestes a completar 27 anos, abalada pela morte recente dele, ela se mantém no casulo em que viveu durante aqueles anos difíceis, temendo herdar a loucura de Robert. Então surge Hal (Jake Gyllenhaal), um ex-aluno que acredita haver algo de produtivo nos 103 cadernos que o velho homem escreveu durante sua doença. Ela também precisará lidar com a irmã Claire (Hope Davis), que volta à Chicago para o enterro do pai, decidida a vender a casa da família e levar Catherine para Nova York.
A partir disso, não é preciso ser muito intuitivo para descobrir que a presença de Hal e os choques com a personalidade da irmã definirão o rumo de Catherine. A Prova (Proof, Estados Unidos, 2005) é um drama sério e humano, adaptação da peça homônima de David Auburn, vencedora do prêmio pullitzer e do Tony. O enredo que poderia facilmente cair no piegas e na falta de graça na transposição para o cinema se mantém firme pelos artifícios da adaptação do roteiro. Sem buscar grandes saídas, concentrando o foco na tensão do texto e da situação em si, a trama se mostra muito bem resolvida na tela, eficiente e modesta. Em concisos 100 minutos, envolve o espectador no conflito da protagonista sem fugir da simplicidade.
A peça de Auburn se tornou sucesso imediato de crítica e público. O texto seco, considerado "ultrarealista", não demorou a sair de Chicago e chegar à Broadway. Em Londres, ganhou uma elogiada montagem de John Maidden - veterano do teatro e diretor do filme - estrelada pela americana Gwyneth. No Brasil, a peça foi levada aos palcos por Aderbal Freire Filho, com Andréa Beltrão e Emílio de Melo no elenco. A galeria de personagens é pequena e seus conflitos se limitam a espaços restritos. Grande parte das ações acontece na casa de Robert e Catherine. Poucas cenas empregam figurantes e são raros os que acrescentam alguma importância ao desenrolar da história. Toda a tensão está concentrada nas situações e nos conflitos entre aqueles poucos personagens. Contando com a preciosa ajuda da trilha sonora, o longa realiza com habilidade a transição pelo ápice até o desfecho trama.
Um roteiro que descenda de um texto teatral enfrenta o perigo constante de recair em falas excessivamente explicativas e nos vícios de uma linguagem própria do palco que não costuma caber no cinema. Mas aqui a tentação não se converte em pecado. Se a direção e os atores são capazes de dar veracidade ao texto sem torná-lo enfadonho frente às câmeras, como foram capazes de fazer nesse filme, não há porque evitar o risco.
Gwyneth Paltrow, indicada ao Globo de Ouro pelo papel, repete duplamente a parceria com John Maidden. Quando a peça de Auburn ganhou o palco do West End em Londres, a atriz havia acabado de receber o Oscar por Shakespeare Apaixonado, filme de 1998 dirigido por Maidden. Amparada pelo bom trabalho dos coadjuvantes, em A Prova ela consegue se segurar com méritos na liderança. Anthony Hopkings, como de costume, exibe a boa performance com uma naturalidade que chega a parecer fácil. Hope Davis é um contraponto essencial à personagem de Gwyneth e Jake Gyllenhaal conserva o charme inerente e o talento seguro que vem lapidando. Depois de ousar como o cowboy gay de Brokeback Mountain ou com o excesso de testosterona de um solado norte-americano entediado no Golfo em Soldado Anônimo, seu personagem aqui não poderia ser mais politicamente correto. Hal é, em uma análise simples, o “salvador espiritual” da protagonista, aquele que a aproxima da redenção necessária para a resolução de seus conflitos. Logo, é inevitável que ele lance mão de um catálogo de frases de auto-ajuda típicas quando estamos perto do desfecho.
O grande drama de Catherine é resumido em uma fala de Claire: “Eu acho que você herdou parte do talento dele e parte de sua tendência à instabilidade”. O que consome a atormentada personagem, já devastada pelos anos que dedicou ao pai doente, é se perguntar até onde vai sua herança. O público é frequentemente levado por armadilhas, em um jogo que lhe permite embarcar na confusão mental da protagonista. Flash backs são recorrentes e bem encaixados, mas é pena que os requintes da história para nos confundir se diluam às vezes rápido demais, em seqüências que não demoram a se esclarecer. Ainda assim, "A Prova" é bom cinema, com seu segredo que vai além do “o que” e se esconde no “como”.

3 Comentários:

Às 2:00 AM , Blogger Marcela Bertoletti disse...

Você não perdeu o jeito, pode ficar tranquila! Ja tava sentindo falta das suas crônicas.
Queria muito ver esse filme, e agora depois de ler isso td quero ainda mais. Adoro os atores e gostei muito da história, aliás amo dramas desse tipo.
Mas como meu azar é enorme ele saiu de cartaz semana passa :(, espero que quando eu chegar em Nit ele ainda esteja em cartaz por la!
E vc acredita que o jornal (o tempo) falou mal dele? Confio mais em você.

Beijos

 
Às 2:39 PM , Anonymous Anônimo disse...

Você nunca perderá este jeito singular de analisar os filmes! Continue firme! Eu dei uma sumida não foi? Queria ter ido na formatura de Júlia mas não pude por causa do trabalho. Assim perdi a oportunidade de nos encontrarmos. Tenho visto só porcaria ou flimes blockbusteres. Ah, consegui assistir A Professora de Piano com a Isabelle Huppert, lembra que uma vez te pedi este filme? Pois é um drama muito forte e tem que ter muita kbça boa pra poder assisti-lo. Passou na TV Cultura, acabei gravando, se vc quiser eu te empresto qdo vc estiver por aqui. Só a gravação que tá meio ruim mas dá pra ver. E a propósito cadê sua análise suscinta sobre O Clube da Felicidade e da Sorte que te pedi com tanto carinho? Prometo não sumir mais por tanto tempo tá bom? BJS.

 
Às 2:39 PM , Anonymous Anônimo disse...

Você nunca perderá este jeito singular de analisar os filmes! Continue firme! Eu dei uma sumida não foi? Queria ter ido na formatura de Júlia mas não pude por causa do trabalho. Assim perdi a oportunidade de nos encontrarmos. Tenho visto só porcaria ou flimes blockbusteres. Ah, consegui assistir A Professora de Piano com a Isabelle Huppert, lembra que uma vez te pedi este filme? Pois é um drama muito forte e tem que ter muita kbça boa pra poder assisti-lo. Passou na TV Cultura, acabei gravando, se vc quiser eu te empresto qdo vc estiver por aqui. Só a gravação que tá meio ruim mas dá pra ver. E a propósito cadê sua análise suscinta sobre O Clube da Felicidade e da Sorte que te pedi com tanto carinho? Prometo não sumir mais por tanto tempo tá bom? BJS.

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial