quarta-feira, outubro 04, 2006

O Diabo Veste Prada



Quando Laura Weisberger escreveu O Diabo Veste Prada, vestiu os personagens de ficção para contar sua experiência infernal enquanto trabalhou para uma das figuras mais poderosas da moda, Anna Wintour, diretora da Vogue americana. No livro, Wintour é Miranda Pristley, a Vogue se transforma em Runway e Weisberger ganha a identidade de Adrea Sachs, uma jornalista recém-formada que consegue o emprego dos sonhos de muitas garotas (mas não o dela) e se torna assistente pessoal da editora de uma das revistas de moda mais badaladas do mundo. Como acontece nos contos de fada urbanos, Andrea é um patinho feio, a moça “gorda” (se comparada às modelos anoréxicas) e inteligente, completamente deslocada no mundo fashion, que ao longo da história sofre uma metamorfose e ganha uma bela aparência. Interessante, mas não inusitado, é o que esse processo vai fazer ao espírito da jovem. Após a imersão naquele universo, vêm os julgamentos de caráter, que por convicção da personagem ou por simples moralismo se sobrepõe à sua ambição. Por fim nos deparamos com o mito faustiano: vale a pena vender a alma?
Seguindo o caminho natural dos best sellers, o livro de Weisberger teve seus direitos comprados por Hollywood e chegou às telas esse ano. O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada, Estados Unidos, 2006) é um filme de luxo. Ou, melhor dizendo, é um filme que se dá a muitos luxos. Meryl Streep como a sufocante e mimada Miranda Pristley e os figurino de milhões de dólares, tão deslumbrantes quanto caros, são alguns deles. E como produto do grande cinema de mercado, o filme consegue atingir seu objetivo: entreter o público em uma trama banal, que está longe de ser surpreendente, mas é bem arranjada e charmosa.
Por uma montagem paralela comparamos a rotina matinal de Andrea (Anne Hathaway) à de mulheres exuberantes, acostumadas ao glamour. Essa sequência de abertura traz o ritmo e o estilo necessários para lançar o espectador na história. Logo depois, encaramos a personagem em seu lugar. Andrea é mais uma pessoa comum na selva de Nova York, um ambiente que o cinema se habituou a retratar como caótico, competitivo, às vezes hostil. O desenrolar da trama é concentrado nas personagens de Meryl Streep e Anne Hathaway. Em certo momento, Nate (Adrian Grenier), o namorado de Andrea, declara o que vemos durante quase todo o filme: Miranda é a única pessoa com quem a protagonista parece se relacionar. E é dessa relação entre a megera e a garota que sem perceber está a caminho de se tornar sua pupila que surgirão os conflitos da história. A moça desengonçada aprende a ser linda e a sobreviver no universo da moda, mas entra em conflito consigo mesma por se afastar cada vez mais daquilo que queria ser.
Atrás do disfarce fútil, estão boas alfinetadas à ditadura da beleza e uma certa simpatia ao feminismo. Mas ainda que critique o mundo da alta costura, o filme não deixa de admirá-lo com um olhar apaixonado. Uma das cenas traz não só a explicação para a relevância da moda, mas também muito da própria índole do filme.
O Diabo Veste Prada é sempre elegante. A fotografia, a montagem, o ritmo acelerado imprescindível e a trilha sonora pop encontram o ponto certo para contribuir na narrativa. Meryl Streep está além das críticas como o diabo de voz aveludada e Anne Hathaway se sai bem em seu papel, ajudada por coadjuvantes donos de um timing cômico impecável como Stanely Tucci e Emily Blunt.
Seja qual for a opinião, o interesse ou a visão do espectador sobre o ambiente onde se constrói a história, ela vem imbuída de um olhar próprio, que está talvez entre o respeito e a admiração, mas que independe do público. E é isso que, dentre outras coisas, faz de O Diabo Veste Prada uma trivialidade de bom gosto.