sexta-feira, março 31, 2006

A Máquina


A história que eu vou contar agora é uma daquelas com sotaque bem nordestino. É história pra lá de bonita, acontecida nos tempos de Antônio, num lugar longe que só a gota. Esse lugar bem muito longe se chamava Nordestina e de tão distante que era, nem se via no mapa. Foi lá que o tempo achou por bem apadrinhar um amor tão forte que não achava palavra pra se medir. Antônio se apaixonou por Karina e Karina por Antônio. Mas Nordestina era pequena demais para os sonhos da menina bonita que queria ganhar o mundo. E pra não perder seu amor para o destino, Antônio, que nunca quis mesmo deixar seu pequeno cenário, inventou de enfrentar a geografia, a economia, a sociologia, a filosofia e foi buscar esse tal mundo que Karina tanto queria, ainda que esse mundo, assim meio troncho, não lhe parecesse um mimo dos melhores.
A Máquina (Brasil, 2006) não leva um mundo desconhecido apenas aos seus personagens fictícios. O filme marca também a estréia do diretor João Falcão em um novo universo, por trás das câmeras do cinema, e o caminho que essa história percorreu para chegar até aqui seguiu o rastro do sucesso. O romance homônimo de Adriana Falcão, publicado em 1999, foi primeiro adaptado para os palcos por João, um pernambucano já renomado dentro do teatro brasileiro, e nesse processo novas cenas foram criadas. Estimulado pela boa recepção da peça, João Falcão, co-roteirista de filmes como Lisbela e o Prisioneiro e O Coronel e o Lobisomem, decidiu transpor a saga de Antônio para a telona, se aventurando na direção. Levou consigo a bagagem já adquirida e os quatro atores que representaram o protagonista nos palcos. Na peça, o papel era interpretado de uma só vez por Lázaro Ramos, Vladimir Brichta, Wagner Moura (que no filme fazem participações especiais) e Gustavo Falcão, mas o diretor optou por simplificar no cinema e utilizar apenas dois intérpretes. Aqui, o Antônio jovem é vivido por Gustavo e o Antônio do futuro por Paulo Autran. A semelhança de sobrenomes não é mera coincidência. Gustavo Falcão é sobrinho de João, que é marido de Adriana. Na nova adaptação, outras cenas foram criadas no roteiro, várias locações foram visitadas para compor a cidade de Nordestina e A Máquina foi se encaixando no espaço retangular da tela, até que essa “parceria de família” chegasse aos cinemas com a feição bonita que ganhou.
A trama toca em temas de reflexão social, como o poder da mídia e a fuga da vida sem recursos do sertão, mas sempre de forma poética e bem humorada para contar seu romance, a imensa história de amor que preenche o filme todo. A clássica luta do herói e da heroína (Mariana Ximenes) contra o destino fatal que pode separá-los ganha combustível renovado pela originalidade desse filme, herdada das formas anteriores que lhe deram origem e agraciada pela invencionice brasileira. Os elementos fundamentais dessa narrativa são a palavra, o tempo e a estética. O poder da língua portuguesa é explorado ao máximo para compor o romance através das palavras que saem da boca de seus personagens. Diálogos rápidos, inspirados e graciosamente confusos já foram empreendidos em O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro, mas aqui eles atingem a plenitude de seu potencial e de sua eficiência, brincando com a metalinguagem de maneira critiva e inteligente. Chega a ser impressionante a capacidade do roteiro em dizer a coisa certa, no momento certo, até mesmo quando a idéia é não saber o que dizer. Uma lição de delicadeza e lirismo genuinamente brasileiros. O tempo se torna um personagem maleável e interage com o protagonista. Para não perder Karina para o mundo, Antônio constrói uma máquina capaz de transportá-lo ao futuro, onde estará o seu "eu" 50 anos mais velho. No desenrolar dos acontecimentos, só o Antônio do futuro poderá salvar o do presente, evitando que aquela viagem no tempo tenha sido em vão e que ele passe a vida inteira longe de Karina. Com seu "eu" ensandecido, o herói vai aprender a criar o destino em uma das passagens mais poéticas e comoventes da história. A estética incomum, dominada pelo cenário teatral tão destoante do realismo habitual no cinema, dá a cara de Nordestina. Aquela cidadezinha pode ser lugar nenhum ou qualquer lugar do sertão. Cada um desses elementos é fundamental para desenvolver a linguagem não-realista, própria da história, e para dar veracidade ao seu caráter fabuloso.
O elenco parece embarcar nessa viagem absurda com prazer e talvez por isso saiba fazer o público rir, suspirar e se emocionar com tanta habilidade. Gustavo Falcão não faz o tipo protagonista de novela. Mas a doçura, a voz envolvente e a segurança com que circula da inocência à esperteza cheia de artimanhas tornam-no mais encantador do que qualquer aspirante a galã. Mariana Ximenes é indiscutivelmente bela e oferece uma interpretação intensa e meiga sem passar da medida. Paulo Autran dispensa qualquer adjetivo, sua presença é sempre deliciosa. Lázaro Ramos, como um lunático, Vladimir Brichita, como o sedutor barato José Onório e sobretudo Wagner Moura, como um apresentador de TV bem ao estilo João Kleber, se confirmam como participações realmente especiais em seus pequenos, mas ricos papéis. No elenco competente destaca-se também a comediante Fabiana Carla e toda a sua graça nordestina como Dona Nazaré, mãe de Antônio.
Yes, nós temos cinema. Com um roteiro primoroso, uma direção consciente e um ritmo dinâmico, A Máquina é o tipo de produção que faz o espectador brasileiro sorrir no cinema ao lembrar que nem só da costumeira falta de originalidade da Globo Filmes vive o nosso mercado. E como é bom perceber que, seja pela publicidade ou simplesmente pela qualidade do material, uma história linda como essa é capaz cair nas graças do público. Se eu fosse você não perderia esse filme por nada. Afinal, quem não quer um amor que de tão grande seja capaz de viajar no tempo e te dar o mundo de presente?

quinta-feira, março 23, 2006

Mais do mesmo

Esse moço agora acha que o blog é dele!
Em prol do nosso projeto futuro (que em breve será divulgado ao público, que nós esperamos ser grande) vou fingir que nem percebo o abuso e dar mais espaço ao meu amigo curitibano.
O assunto agora já parece um pouco longe, mas como não há nada nesse mundo que seja mais a cara do Felipe do que a tradicional premiação da Academia, aí vai mais do Oscar, pelo mesmo Felipe Sembalista.




Falar sobre o Oscar sempre foi um prazer para mim. O prêmio em si, sua importância, sua influência, sua metodologia e a forma com que ele se manifesta podem até não conquistar a todos, mas é impossível ficar indiferente à noite dourada do cinema. Noite esta que está na sua 78ª edição e aglutina uma audiência de mais de 1 bilhão (segundo alguns cálculos e projeções, quase 2 bilhões!!!) de pessoas ao redor do mundo. Em outras palavras, esse é o evento mais assistido da face da Terra. Nem mesmo a final de uma Copa do Mundo de futebol ou a cerimônia de abertura das Olimpíadas reúne tantos espectadores de frente para a televisão.
É certo que em alguns anos a cerimônia em si ganha tons meio insossos ou de pouca originalidade, mas felizmente esse não foi o caso da cerimônia deste ano. A começar pelo apresentador, que arrancava dúvidas de muita gente. Especialmente porque Jon Stewart não é um nome conhecido no Brasil e nem no meio cinematográfico. Trata-se na realidade de um apresentador de TV estadunidense, e todos sabem que a apresentação da cerimônia realizada por David Letterman (outro ícone da TV gringa), há uma década atrás, não foi lá aquelas coisas. Mas a primeira grata surpresa da noite foi exatamente essa. Com um tipo de humor perfeito para uma cerimônia como o Oscar e algumas alfinetadas e improvisações ótimas no transcorrer da transmissão, Stewart conquistou o público com a sua forma de apresentação, que lembra muito o ainda imbatível Billy Crystal. Pelo jeito Chris Rock, Steve Martin e Whoopi Goldberg devem estar se mordendo de raiva…
Outro ponto positivo da cerimônia deste ano é um certo retorno à forma que a cerimônia possuía há cerca de uma década atrás, quando estava em seu pico de glamour e beleza. Não que isso tenha sido esquecido de lá para cá, mas uma insistência tola de algumas emissoras de TV à respeito do tempo da cerimônia acabaram atrapalhando o seu brilho em alguns momentos (como a cerimônia corrida de 2000 ou então a saída pouco elegante de se ganhar tempo ao entregar prêmios no meio da platéia, da cerimônia de 2004). Enfim, esse ano todos os vencedores subiam no palco para receber a estatueta, ao som da orquestra ao fundo e tudo o que já é tradicional no evento.
Algumas novidades: foi o primeiro ano em que existiu trilha sonora durante o agradecimento dos vencedores. Além disso, os clipes dos filmes indicados na categoria máxima não foram mais apresentados no meio da cerimônia, mas sim momentos antes de intervalos comerciais ao longo da transmissão. Ganha-se tempo com isso, mas perdem-se momentos interessantes como a identificação do público com os artistas de cada filme.
As apresentações musicais foram bastante animadas, embora já tenham sido muito melhor produzidas. Na cerimônia de 1998, por exemplo, a interpretação da canção When You Believe, do desenho animado O Príncipe Do Egito deu um show nesse quesito com a presença de um coral juvenil no palco do Dorothy Chendler Pavillion. Ainda mais atrás, na cerimônia de 1971, Isaac Hayes interpretou a música tema de Shaft com um balé totalmente elaborado e regado à muita luz e fumaça. Enfim, não foi exatamente um show de apresentações musicais (até mesmo na questão dos intérpretes, pouco conhecidos), mas foi interessante ver todos os engomados de smoking batendo palmas na canção Travelin’ Thru ou se mexendo na poltrona ao som do segundo rap da história a vencer na categoria de melhor canção.
Esse ponto, aliás, merece uma atenção especial: esse ano o Oscar contou apenas com três canções indicadas, e isso é um reflexo da produção musical no cinema contemporâneo, que vem diminuindo dia a dia. Não existe mais uma produção de musicais como nos anos 1950 e 1960, e a Disney já não faz mais animações cheias de canções. Na maioria das vezes, as músicas são apresentadas apenas nos créditos, o que enfraquece a sua relação com o filme.
Outra característica que saltou aos olhos dos telespectadores foi a presença um tanto quanto freqüente de clipes temáticos sobre cinema. Alguns foram muito pertinentes, como a abertura da cerimônia (linda) e a montagem com os filmes épicos da história do cinema. Outros clipes, no entanto, pareciam estar fora de contexto, como o que se referiu aos filmes noir e as piadas de Jon Stewart sobre a votação nos indicados. Ainda na apresentação desses clipes, pode-se notar o esforço da Academia no sentido de combater a pirataria e uma espécie de “banalização” do cinema, tema esse que gera controvérsias mas que no meu modo de ver é pertinente. Me preocupa um pouco essa onda do digital, do “avançado tecnologicamente”. Nada se compara a uma projeção em película de um filme, nem mesmo o melhor dos home theater do mercado. E essa questão vai muito além do que simplesmente o quesito técnico, afinal de contas um conjunto de caixas acústicas pode reproduzir minimamente um cinema. Mas a arte do cinema depende da ação de ir a uma sala, pagar um ingresso e assistir ao filme em um quarto escuro e uma tela gigante. Nunca um DVD conseguirá suprir isso.
Mas vamos aos prêmios propriamente ditos. Nas categorias de curta-metragem e documentário, prefiro não opinar pois não conheço e nem assisti a nenhum dos indicados (nem mesmo o vencedor e já lançado no Brasil A Marcha Dos Pingüins). O prêmio de melhor filme em língua estrangeira foi para o sul-africano Tsotsi, ainda não lançado no Brasil, e que rendeu um momento emocionante no discurso do diretor no momento em que se referia à África. Está na hora do Brasil levar o seu também... Para melhor longa-metragem de animação, o prêmio ficou com a animação em massinha Wallace & Gromit: A Batalha Dos Vegetais, que acaba de ser lançada em DVD (e assim melhor julgada, uma vez que pela sua passagem nos cinemas o filme não arrancou um público muito grande aqui no Brasil).
Nas categorias de atuação, prêmios justos. O super charmoso George Clooney levou pelo seu desempenho como coadjuvante em Syriana (que eu ainda não tive oportunidade de conferir) e Rachel Weisz pelo seu desempenho no filme O Jardineiro Fiel, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Fica apenas aquela velha dúvida no ar: até que ponto um ator deixa de ser coadjuvante em um filme e passa a se tornar protagonista? Rachel Weisz, por exemplo, apesar de aparecer bem menos no filme que o seu companheiro de cena, possui importância fundamental no enredo.
Nas categorias de atuação como protagonista, as indicações refletem um ano muito bom para os atores, com pelo menos quatro indicados em interpretações ótimas; e não tão marcante assim para as atrizes. Reese Witherspoon levou pelo seu delicioso desempenho em Johnny & June, provando assim que não é apenas um rostinho bonito de comédias adolescentes. E na categoria de melhor ator, a disputa mais acirrada. David Strathairn, Heath Ledger, Terrence Howard e Joaquim Phoenix estão ótimos em seus papéis. Quem levou foi Philip Seymour Hoffman, que até então nunca tinha sido indicado ao prêmio e interpreta de forma brilhante o escritor norte-americano Truman Capote.
Nas categorias de melhor edição de som, melhor mixagem de som e melhores efeitos visuais, o prêmio foi para o filme King Kong. Realmente, as seqüências do filme são de tirar o fôlego de qualquer um, e muito dessa sensação se deve ao som do filme (e, é claro, à overdose de efeitos visuais que saltam da tela). Guerra Dos Mundos, um dos principais concorrentes, não possui um envolvimento tão grande do som no espectador.
Para melhor maquiagem, a Disney levou por As Crônicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Dos demais concorrentes, o mais forte era o terceiro episódio de Star Wars que, apesar de muito bom, não inova em muitos aspectos se comparado ao filme deNárni a. Melhor figurino, melhor direção de arte e melhor fotografia foram para o filme produzido por Steven Spielberg, Memórias De Uma Gueixa, impecável na recriação de ambientes e costumes orientais. Apenas destaco aqui a falta que faz o filme Orgulho e Preconceito entre as indicações para melhor fotografia, que é talvez uma das maiores qualidades do filme.
Em uma apresentação linda, foram anunciados os indicados à melhor trilha sonora do ano. E, apesar do já consagrado John Williams estar indicado duplamente por seus trabalhos em Munique e Memórias De Uma Gueixa, não foi páreo para a composição na medida que o argentino Gustavo Santaolalla fez para o filme O Segredo de Brokeback Mountain. Composição essa que irrompe na tela em todos os momentos-chave da projeção e simplesmente conforta os ouvidos do espectador. Não é uma trilha agressiva, é sublime. Ponto também para Alberto Iglesias, compositor da trilha indicada de O Jardineiro Fiel.
Na categoria de melhor montagem, prêmio justíssimo para “Crash - No Limite”, que tem nesse elemento um dos mais importantes para o bom entendimento da trama. Trabalho de ponta de Hughes Winborne. Para os prêmios de roteiro, venceram as duas melhores histórias do ano: “O Segerdo de Brokeback Mountain”, adaptado de um conto, e “Crash – No Limite”, escrito especificamente para o cinema (e esse fator é admirável).
Para o prêmio de melhor diretor, o Oscar foi para Ang Lee, diretor de filmes como Razão e Sensibilidade, Tempestade De Gelo e Hulk (?!?!?) E esse foi, na minha opinião, um dos Oscars mais bem concedidos da noite. Isso porque o espectador sai do cinema após ver O Segredo de Brokeback Mountain sem saber exatamente o que o filme tem de tão bom que o encantou. Seriam as interpretações dos atores, a fotografia, o roteiro? Também, mas a grande verdade é que todos esses elementos se completam, nenhum deles se destaca sobre os demais. E a “mão” do diretor entra exatamente aí: dirigindo os atores nas cenas, sabendo transpor do papel para a tela as intenções do roteirista e enquadrar a câmera com essas intenções formando um conjunto coeso e agradável. Palmas para esse taiwanês que ainda terá grandes filmes na carreira (assim esperamos).
Tivemos também o Oscar honorário para Robert Altman, e esse foi um momento dos mais memoráveis do Oscar desse ano. Primeiramente porque (felizmente) Altman pode falar o que quisesse sem que a música o atropelasse, e isso significou um apanhado muito interessante em seu discurso.
Finalmente chegamos à categoria máxima, que é a de melhor filme do ano de 2005. E aqui eu aproveito para saudar e comemorar o que foi a produção cinematográfica do ano passado. Se em 2004 eu já tinha afirmado que há tempos não via um Oscar com indicados de tanta qualidade, esse ano então foi um dos mais marcantes de toda a história do prêmio. Filmes inteligentes, bem produzidos, bem dirigidos, bem escritos e que tocam em temas muito relevantes. Não que o cinema tenha como papel primordial questionar ou tentar modificar a sociedade, mas a idéia de que os filmes são “apenas contadores de histórias” já caiu há algum tempo. E é uma pena que o Oscar possa indicar apenas cinco filmes como melhores do ano. O magnífico O Jardineiro Fiel, o bem recebido Marcas Da Violência e o épico muito bem refilmado de King Kong são apenas alguns exemplos de filmes que também mereceriam estar indicados nessa categoria. Só espero que os próximos anos também venham com essa quantidade boa de excelentes filmes. O público (e o cinema em si) agradecem. Também gostaria de dizer aqui que, em anos como esse, o vencedor não necessariamente está muito acima dos que ficaram sem a estatueta. Crash – No Limite venceu os outros filmes por um triz. As regras da Academia dizem que existirá apenas um vencedor para cada categoria, então é assim que as coisas funcionam. Mas isso não quer dizer que Crash – No Limite tenha deixado O Segredo de Brokeback Mountain para trás. Ambos são filmes maravilhosos (assim como os demais indicados e até mesmo são filmes que eu citei e que não estavam indicados), mas Crash – No Limite possui alguns elementos em que se sai ligeiramente melhor do que o seu principal concorrente, e por isso acabou levando a estatueta. Ou seja: é melhor? É sim, pelo menos na minha opinião. Mas isso não desqualifica os demais. Por fim, aqui eu gostaria de deixar um adendo aos que repetidamente afirmam que o Oscar é um prêmio político. Se realmente ele tivesse essa característica, O Segredo de Brokeback Mountain teria levado melhor filme. Seria até mais saudável para a imagem da Academia, que assim demonstraria que não é conservadora (como muitos também gostam de afirmar). Mas mais uma vez provando que seus critérios são artísticos, a Academia premia o melhor filme do ano de fato (por um triz, repito).
Vou chegando ao fim dos meus comentários comemorando um ano excelente de produções cinematográficas e uma cerimônia muito interessante, lamentando somente as transmissões disponíveis para o público brasileiro. A única emissora que transmitiu a cerimônia na íntegra foi a TNT, o que já restringe (e muito) o acesso da população ao prêmio. Afinal, não podemos contar que a maioria das pessoas possuem TV por assinatura nas suas casas e, mesmo que tenham, possuam o canal em seu pacote. A tradução simultânea mais uma vez foi um pouco desagradável a partir do momento em que praticamente anulava o som original da cerimônia. Além disso, o comentarista Rubens Ewald Filho, apesar de seu vasto conhecimento da área, comentou pouco este ano. Uma pena. O que é inaceitável e vergonhoso, e isso sim, foi a transmissão promovida pela Rede Globo (que, aliás, nunca foi uma emissora muito competente para transmissões de eventos ao vivo). Qual é a credibilidade de uma emissora que corta a cerimônia pela metade para exibir uma dúzia de semi-analfabetos com seus corpos quase nus rebolando e falando mal um dos outros em uma prisão de luxo? É aí que percebemos o quanto éramos felizes e não sabíamos. Em 2001, o SBT possuía em sua grade de programação um programa nos mesmos moldes do Big Brother, mas nem por isso deixou de transmitir um só minuto da cerimônia. Pelo contrário, adiantou toda a programação da tarde da emissora para iniciar a transmissão meia hora antes do horário de início da festa. Sem contar nos repórteres ao vivo lá no tapete vermelho entrevistando as celebridades. Coisa que a Globo nunca fez... sem contar na equipe mais competente e carismática do SBT, que trata o prêmio da maneira que ele merece.
Enfim, encerro fazendo votos de que o próximo Oscar me empolgue tanto quanto este me empolgou, e torcendo para que seja melhor tratado pelos executivos da emissora que o esteja transmitindo.

quinta-feira, março 16, 2006

Freedom! Forever!


E se a Alemanha nazista tivesse vencido a guerra? E se a Inglaterra caisse nas mãos de um governo totalitário? Um justiceiro de capa e espada surgiria na noite para libertar seu povo da tirania.
V de Vingança é uma "visão descompromissada" do futuro que transporta Natalie Portman e Hugo Weaving para essa realidade alternativa. Quer uma dica: assista os traillers. Se não der a sorte de vê-los no cinema, procure na internet, é facílimo de achar. O único pecado que um dos teasers comete é jogar na tela em letras garrafais o nome de Natalie e ignorar o de Weaving, nada mais nada menos que o protagonista V! Gafe imperdoável...
Com a correria do fim de semestre ando sem tempo para as minhas críticas megalomaníacas. Mas tento colocar aqui o que tem me chamado a atenção.
People shoud not be afraid of the government. Government should be afraid of the people.
Remember, remember, the 5th of november.
V for Vendetta
!!
Estréia 7 de abril.

domingo, março 12, 2006

Só pela piada


Tosco. Atira longe o respeito e a noção.
Inteligente, sarcástico e espirituosíssimo.
Nem é preciso gostar do conteúdo escatológico dessa paródia que de tempos em tempos goza dos grandes sucessos de bilheteria para se divertir com a imagem.
O cartaz da quarta sequência de Todo Mundo em Pânico é simplesmente impagável!
Estréia por aqui em 21 de abril. Hum... piada com o líder da Inconfidência?

segunda-feira, março 06, 2006

And the Oscar goes to...


"E ai gostou do Oscar?"
Foi a pergunta que a Marcela me fez ao comentar sobre Capote. Eu, pobre estudante do segundo período de Cinema, dei uma resposta simplezinha logo depois do post que a minha querida caloura deixou. Ingênua criatura. Mais tarde, quando me interessei em saber qual foi a repercussão da maior festa do Cinema na mídia, descobri que a discórdia impera e percebi que o Oscar 2006 merecia o seu próprio texto. Então, vamos a ele.
Tapete vermelho, glamour, gente bem vestida e mal vestida, celebridades arroz de festa, estrelas que chamavam a atenção. Não há como escapar do trivial na noite de entrega da estatueta dourada concedida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que é o sonho de qualquer mortal capaz de chegar ao Monte Olimpo de Hollywood. E todo ano um filme desponta como favorito, embora nem toda cerimônia conte com um devorador de prêmios como Titanic ou O Senhos dos Anéis. A bola da vez era O Segredo de Brokeback Mountain, indicado a 8 Oscar, que de tão comentado dispensa qualquer apresentação. Sobretudo depois da tendência que o Globo de Ouro apontou, começou a se criar toda uma expectativa em torno do que seria (mas não foi) o "Oscar gay". A Academia estaria se abrindo a temas que outrora jamais comportaria? A boa arte e a originalidade venceriam enfim os padrões mofados de Hollywood? Bem, acho injusto dizer que o Oscar 2006 foi apenas mais do mesmo. Mas é perceptível que a premiação frustrou algumas expectativas.
A noite começou com a sensação de deja vu, quando o Oscar de ator coadjuvante foi entregue a George Clooney (sempre irresistível). Eu não assisti Syriana e não digo que foi um prêmio injusto. Mas me soou como uma decisão política, já que Clooney, por uma série de razões óbvias, não levaria para casa as estatuetas de roteiro e direção. Meu favorito na categoria era Jake Gyllenhaal, mas isso não interessa. O Jardineiro Fiel, preterido em tantos quesitos logo na indicação, experimentou também a política da Academia ao ter Rachel Weiz indicada a coadjuvante (artifício recorrente quando se deseja oscarizar uma jovem, bela e competente atriz principal) e a moça saiu do Kodak Theatre com um prêmio bastante merecido. Mais uma boa dose de conveniência foi despejada sobre a estatueta de melhor longa de animação, entregue ao mais fraco de todos os concorrentes, Wallace e Gromit: A Batalha dos Vegetais. A produção inglesa sofreu um atraso de cinco anos depois que o estúdio pegou fogo, mas, até onde se sabe, Tim Burton e Hayao Myazaki não tinham nada a ver com isso.
O show seguiu mais plausível. Os prêmios "técnicos" foram quase todos para King Kong, o que já era de se esperar. Escolhas justas pois, tenha você amado ou odiado a tribo de nativos saída de Thriller, os insetos gigantes e o gorila temperamental, há de se convir que Guerra dos Mundos, Munique, Harry Potter e o Cálice de Fogo e As Crônicas de Nárina, embora muito competentes, não foram páreo para a grandiosidade visual e sonora da última empreitada de Peter Jackson. Mas Nárina não saiu da festa de mãos vazias, arrematando um merecido prêmio de melhor maquiagem. E se Steven Spilberg não ganhou uma estatueta sequer pelos filmes que dirigiu, viu Memórias de uma Gueixa, produção sua, levar três Oscar, por melhor figurino, direção de arte e fotografia. Se foi justo não sei, já que esse é mais um dos filmes que não pude assistir. Orgulho e Preconceito, O Jardineiro Fiel, Johnny e June e Boa Noite e Boa Sorte eram representantes à altura em algumas das categorias, mas com a onda de orientalidade que tomou o ocidente era previsível que as gueixas e a exuberância visual de Bob Marshal levassem a melhor. O Oscar de filme estrangeiro surpreendeu e foi cair no colo do pouco divulgado Tsotsi, da África do Sul.
O melhor ator e a melhor atriz, por sua vez, não surpreenderam. Philip Seymour Hoffman recebeu sua merecida estatueta por Capote, mas minha torcida era mesmo por Joaquin Phoenix, que depois do seu desempenho magnífico me transformou em fã de Johnny Cash. Confesso que até o último momento tive esperança de que o Oscar fosse para ele, já que o bonequinho dourado de Reese Whiterspoon sofria pouca ameaça, e a consagração do casal como melhor ator e atriz de 2005 seria um belo tributo à química rara e adorável que exibiram no delicioso Johnny e June. Dá para perceber que estou de coração partido pelo filme ter levado apenas um prêmio (o de Reese), não é? E estou mesmo. Uma pena. Outra das minhas grandes frustrações foi Brokeback Mountain não ter sequer concorrido ao Oscar de melhor montagem (vencido por Crash- No Limite, acredito que justamente). Mas foi um deleite ver a trilha sonora do filme, que de tão sublime não há palavras para descrever, sair premiada. Tremenda surpresa John Williams, o grande oscarizado das trilhas, ter concorrido por dois filmes diferentes (Munique e Memórias de uma Gueixa) e perdido a estatueta. Para mim, esse foi um dos prêmios mais justos da noite. O Segredo de Brokeback Mountain mereceu todos os Oscar que arrematou. Melhor roteiro adaptado e melhor diretor (o taiwanês Ang Lee) foram para o endereço certo, embora George Clooney fizesse jus a esse último por Boa Noite e Boa Sorte. O prêmio de roteiro original também acabou nas mãos de Crash, o único dos candidatos a melhor filme que eu, grande amiga de Murphy, não consegui assistir. Portanto, difícil dizer se os brilhantes roteiros de Match Point e Boa Noite e Boa Sorte mereciam menos a glória. As três canções que concorreram foram apresentadas em perfomances incrivelmente ridículas e não chega a ser inusitado o prêmio ter ido para o rap bacana "It´s hard out here for a pimp", de Ritmo de um Sonho. Vamos lembrar que a Academia já deu o Oscar para Eminen.
Um aparte para o Oscar honorário concedido ao maravilhoso Robert Altman. Já era mais que tempo de uma homenagem dessas. E chegamos ao ponto alto da noite. Até mesmo os produtores de Crash se surpreenderam quando foi anunciado por Jack Nicholson (também chocado com o resultado) que o prêmio máximo da festa seria dado a eles. Repito: não vi Crash e confesso que tinha Boa Noite e Boa Sorte, o perigoso filme de George Clooney, e O Segredo de Brokeback Mountain, o delicado romance de Ang Lee - e minha paixão confessa - como os concorrentes mais fortes da categoria. Uma nuvem cinza paira sobre a minha cabeça e acredito que ela só vai desaparecer quando eu enfim conseguir assistir o grande premiado. Pode ser que a Academia tenha se acovardado de última hora e imaginado ser mais seguro dar o Oscar de melhor filme para uma produção que põe o dedo em uma ferida já admissível de se tocar. Mas desde que Crash estreou no Brasil, em outubro de 2005, tenho ouvido cometários entusiasmados sobre ele e há quem defenda que o filme era, sim, mais merecedor da estatueta de melhor produção que seu colega tido como favorito. Creio que ainda não me recuperei do choque, porque, convenhamos, surpreender não é a maior especialidade do Oscar. Mas o resultado não me deixou triste (um pouco desiludida talvez). Para alguém que ama tanto o cinema foi um prazer acompanhar uma cerimônia em que os concorrentes tinham tanta qualidade e valor. Não é sempre assim.
Os que ainda estão frustrados com a derrota de Brokeback Mountain, pensem que o Oscar, com todo o seu charme, importância e glamour, não passa de um prêmio para figurar na prateleira. O belo romance protagonizado por Heath Leadger e Jake Gyllenhaal não precisa disso para ser o que é e para ganhar na história do Cinema o espaço que lhe caberá. Nenhuma das ótimas produções que tiveram seus nomes citados ontem a noite precisam. Seja por iniciativas sutis da premiação, por meu instinto pessoal ou apenas por uma vontade intuitiva, o Oscar 2006 me despertou algo diferente. Começo a ter esperanças no bom senso da Academia. Só resta torcer pelo futuro, para que a cerimônia seja cada vez mais coerente com o que deve ser: uma enorme festa para premiar o bom cinema.

quinta-feira, março 02, 2006

Capote

Capote (Capote, Estados Unidos, 2005) é um filme impecável. Do protagonista ao modo de narrar a história, tudo parece ter sido meticulosamente calculado para sair na medida adequada. Philip Seymour Hoffman já provou ser um ator extremamente competente nos papéis de coadjuvante a que foi confinado durante toda a sua carreira e ganhou aqui sua grande chance para o Oscar como estrela principal do longa dirigido pelo estreante Bennett Miller. Hoffman emagreceu dezoito quilos, conseguiu uma caracterização física parecidíssima com a do verdadeiro Trumam Capote e está irritantemente bem na pele do escritor que dá nome à trama, falecido em 1984 devido a complicações com o alcoolismo. Capote foi um dos mais afamados escritores norte-americanos das décadas de 50 e 60, autor de Bonequinha de Luxo e Música para Camaleões. O filme recria com zelo uma passagem ímpar de sua vida, que deu origem à última de suas obras, o romance de não-ficção A Sangue Frio. Em 1959 uma pacata família foi violentamente assassinada no interior do Kansas. Esse fato brutal atraiu a atenção do escritor, que viu ali o tema para um bom artigo. Enquanto acompanhava o desenrolar das investigações e depois de conhecer os dois assassinos, presos em Las Vegas e devolvidos ao Kansas, Capote passou a enxergar no caso material suficiente para um livro inteiro, que revolucionaria a literatura de não-ficção.
O longa mantém um tom de suspense cheio de classe e a relação que se estabeleceu entre Capote e um dos assassinos, Perry Smith (Clifton Collins Jr.) é o alicerce da trama. Desejando à todo custo compreender as razões do crime, o escritor se aproxima daqueles que o cometeram, mas Perry lhe desperta um fascínio que o outro criminoso não desperta. Durante os cinco anos que dedicou ao seu livro, eles intensificaram um vínculo sofrível de identificação, atração e necessidade mútua. Os dois homens não eram em sua essência tão diferentes. Tiveram infâncias muito parecidas, marcadas por dificuldades e abandonos, mas seguiram caminhos inversos, um denominador que instiga o interesse de Truman. Ainda assim, com vidas desiguais, o escritor e o assassino são semelhantes por se destacarem do habitual. Capote incomoda por seus trejeitos femininos, a voz aguda e o modo de vestir destoante do convencional. Perry é introspectivo, extremamente sensível e inteligente, um contraste agressivo com a resignação que mostra diante do crime que cometeu. Da forma como é apresentado no filme, não é difícil compreender o fascínio que esse homem provocou no escritor. Clifton Collins Jr. chama a atenção, imprimindo gravidade e mistério a seu personagem. Um homem comum, pequeno, sem nada demais em sua aparência, mas com um olhar forte e uma voz imponente que parecem torná-lo onipresente na tela. A Phillip Seymour Hoffman foi dada a delicada missão de construir um protagonista que desperta mais antipatia do que empatia. Capote, com sua língua crítica e afiada, gostava de concentrar as atenções em torno de si. Era um sujeito egocêntrico, egoísta, manipulador e nos soa por vezes realmente detestável. Mas ao longo do filme vamos nos familiarizando com a tênue linha que Hoffman criou para libertar seu personagem da simples carcaça de maneirismos e lhe conceder uma humanidade real.
É difícil dizer se Capote realmente se afeiçoou a Perry Smith, mas é bastante evidente que esse homem era para ele uma mina de ouro. Seus segredos guardariam o que o escritor acreditava serem as bases para uma obra literária brilhante. Assim, o envolvimento de Capote com os assassinos condenados à pena de morte pelo crime se dava na medida de seus interesses. Quando lhe convinha atrasar a execução da sentença, contratava bons advogados. Mas quando se apropriou de tudo o que precisava saber sobre a personalidade de Perry para caracterizá-lo em sua obra, já esgotado pelos anos de imersão naquele caso, lhe convinha que o final da história chegasse logo. Não havia mais porque ajudar os assassinos a ganharem tempo antes da morte. O escritor soube conquistar a confiança de Perry para conseguir o que queria e o manipulou em prol de seus fins artísticos e literários. Mas foi também manipulado pelo outro e não conseguiu escapar ileso dessa teia que construiu. O final da trama, ainda mais tenso que todo o resto, deixa claro que Perry tomou consciência de como foi usado e soube jogar com esse trunfo psicológico em seus últimos momentos para não permitir que o amigo saísse de tudo aquilo tão impune quanto gostaria. Capote nunca mais terminou um livro depois da experiência de A Sangue Frio. Seus meios para tecer o que se tornou um prisma da literatura de não-ficção lhe custaram mesmo a sanidade e a alma.
A também escritora Harper Lee, amiga íntima de Capote que viu seu clássico O Sol é Para Todos ser transformado em filme durante esse meio tempo da trama, ganhou lugar de destaque na história e Catherine Keener concorre ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel. Da sua maneira educada e elegante, o texto faz insinuações à preferência sexual da autora. Num ano em que a Academia mostra uma tendência a realizar o que vem sendo chamado por alguns de o "Oscar gay", Capote se insere bem no contexto. O Globo de Ouro, tido normalmente como o termômetro do Oscar, deu visibilidade às produções nesse sentido, confirmando O Segredo de Brokeback Mountain como o grande favorito da noite do dia 5 de março, premiando Felicity Huffman pelo papel de um transsexual em Transamerica e o próprio Phillip Seymour Hoffman como melhor ator de drama. Além de trazer um protagonista homossexual, Capote exigiu de seu intérprete sacrifícios físicos para a caracterização do papel, o tipo de coisa que a Academia adora oscarizar. Inclinações à parte, ainda não é certo que Hoffman e Huffman levarão as estatuetas que têm também como fortes concorrentes o casal de Johnny e June, Joaquin Phoenix e Reese Whiterspoon. É bem verdade que o Oscar não costuma surpreender muito, mas nunca se sabe. Caia nas mãos que cair, o prêmio para o melhor ator de 2005 não será desmerecido.