segunda-feira, maio 29, 2006

X-Men - O Confronto Final


X-Men – O Confronto Final (X-MEN: The Last Stand, Estados Unidos, 2006), o último capítulo da primeira trilogia dos mutantes no cinema, impressiona. É superior aos anteriores, embora o diretor Brett Ratner tenha o bom senso de respeitar os dois longas dirigidos por Brian Singer, mantendo uma conexão com os filmes que o antecederam e garantindo a lógica da série. Entretanto, seu papel na saga representa boas e más notícias. Se você não conhece os X-Men e aprecia um cinema comercial bem feito, o filme sem dúvida te agradará. Mas, se você conhece a historia dos mutantes, ainda que superficialmente, e já simpatizava com o grupo antes dele ganhar as telonas, uma série de ressalvas precisa ser considerada para que, então, se ame ou lamente o destino que lhes foi reservado.
Obviamente, é impossível resumir 40 anos de quadrinhos e manter à risca o teor da fonte. Não é isso que se espera do cinema. O rumo dado à história em O Confronto Final é coerente com a trama lançada em X-Men 1 e desenvolvida no 2, mas deixa de lado a coesão com o que o grupo de mutantes é fora da película. A descoberta de uma cura para a mutação coloca o grupo de Charles Xavier (Patrick Stuart) e a Irmandade formada por Magneto (Sir Ian Mckellen) em campos definitivamente opostos, na iminência de uma guerra decisiva. Cyclope (James Marsden), que ainda não superou a perda de Jean (Famke Jansen) após o acidente no lago Alkalil, parte em busca da amada. Ela ressurge como a Fênix Negra, uma entidade fora de controle, com poderes ilimitados e uma incrível força de destruição. Sem Scott, Tempestade (Halle Berry) e Wolverine (Hugh Jackman) tornam-se os responsáveis pela escola e os líderes do time no confronto final contra o grupo de Magneto, que tem ao seu lado a Fênix. Todo esse enredo, inicialmente repleto de subtramas, é condensado em 103 minutos. Sem perder tempo, Ratner mantém um ritmo ágil e empolgante, e não poupa o público de espetáculos visuais. De toda forma, sustentar os personagens que defende - e que não nasceram pelas mãos dos roteiristas de cinema - ainda que isso significasse um filme menos impressionante, seria uma boa escolha.
Brett Ratner conseguiu sair por cima dos que duvidaram de sua competência para substituir Brian Singer na direção da franquia, mostrando um trabalho à frente do de seu colega. O cuidado com os planos que cria para compor a narrativa e os movimentos de câmera trabalhados, entre outras coisas, são preocupações raras de se achar no grande cinema de mercado. Além do talento para dirigir cenas majestosas, o sujeito se revela um belo diretor de atores. Todos estão extremamente à vontade em seus papéis. Nesse terceiro filme, parecem ter o domínio completo de personagens que já conhecem a fundo. E embora a alma cinematográfica de muitos deles destoe do que são nos quadrinhos e nos desenhos, é preciso reconhecer que são verossímeis. Vampira (Anna Paquin) é desde o primeiro filme uma personagem com diferenças gritantes em relação à original e o final que lhe é dado só confirma o quão distante a mutante das telas está daquela das páginas do gibi. Hugh Jackman confirma de uma vez por todas que nasceu para ser Wolverine, atingindo o tom perfeito nas frases cínicas que intensificam o charme mal-caráter e o carisma do personagem. Na ausência de Cyclope, Logan deixou de ser o anti-herói, substituindo o rival como mocinho da trama – a meu ver, a maior ferida do roteiro. O animal aqui está domesticado além da conta, mas felizmente o enredo consegue equilibrar o personagem e não permite que ele perca irremediavelmente sua personalidade. Para alívio da platéia, Wolverine ainda sabe mostrar as garras e impõe respeito como nunca.
Lançar na trama personagens excitantes que fazem os fãs salivarem, sem se comprometer a desenvolvê-los a fundo, é uma prática que os dois primeiros longas já exploraram. Aparentemente, Anjo (Ben Foster) teria um grande papel na história, mas o roteiro não cruza a barreira da sugestão e, por fim, o personagem fica restrito a uma participação mínima. Colossus (Daniel Cudmore), que assim como Kitty Pride (Ellen Page), a Lice Negra, já havia mostrado as caras no filme anterior, também não recebe o espaço prometido pela publicidade e pelos teasears – seu grande feito é protagonizar, ao lado de Wolverine, o “arremesso especial” – ao contrário de sua colega, que chega a ensaiar um triângulo amoroso com Vampira e Bobby Drake (Shawn Ashmore), mais do que nunca o Homem de Gelo. Fera (Kelsey Grammer) ganha seu merecido lugar no time dos mutantes e a construção do personagem mostra com eficiência seu lado racional e seu lado animal. Magneto embolsa aliados interessantes, personagens reconhecíveis de imediato por quem conhece os X-Men, e aí é interessante pensar que os fãs e os leigos poderão absorver uma mesma história de modos diferentes. Além de Homem Múltiplo (Eric Dane), Fanático (Vinnie Jones) “Você sabe quem sou eu?”, Calisto (Dania Ramirez) e companhia, o filme oferece um gostinho dos Sentinelas, em uma referência emocionante a “Dias de um Futuro Esquecido”.
Dar ao público novos mutantes é sempre apetitoso, mas deixar para trás tantos personagens essenciais, com um lugar fundamental na trama, para conceder espaço maior a outros sem uma bagagem já adquirida na trilogia, não me parece um bom artifício. É provável que o destino de Cyclope esteja ligado ao fato de James Marsden ter se bandeado para o elenco de Superman Returns, mas as baixas sofridas em ambos os lados da batalha mutante são irremediáveis. Em certos momentos, senti que o diretor não se importou em perder seus personagens, em físico e espírito. Seria inviável e desnecessário manter-se fiel à saga da Fênix Negra, uma trama extremamente complexa nos quadrinhos e um capítulo de peso na história dos X-Men. Mas é pena que, no filme, ela seja tão bem lançada para posteriormente ganhar uma linearidade que a deixa ao léu. Ainda assim, pode-se dizer que dentro daquilo proposto pelo roteiro, o episódio foi bem resolvido.
O que há de mais interessante nos X-Men é a conotação violenta que têm com a realidade, construindo uma metáfora sobre preconceito e intolerância. Muitos questionamentos fortes, já propostos pelos filmes anteriores, são levantados de forma inteligente e mais clara no de Brett Ratner. O extremismo de Magneto é ilustrado por um discurso em que discorre a respeito da superioridade da raça mutante, uma referência à Hittler e ao totalitarismo. Vale lembrar que o personagem sofreu na infância com o nazismo, chegando a mostrar em uma das cenas a marca que leva no braço como herança da época. As atitudes de Xavier, representante mor do bem e do equilíbrio, são questionadas, algo que não se via antes. Sua forma de agir não seria, no fundo, manipuladora e arrogante? Os mutantes deveriam aceitar a “cura” para o que não é uma doença, mas algo que os torna aquilo que são? Não é justo querer ser como “todos os outros”? A cura voluntária não seria convertida em uma arma biológica? E, novamente, seriam os mutantes o novo elo na evolução, humanos melhorados? É pena que essas questões sejam abandonadas ao longo da trama, que se limita à instauração do conflito, culminação do confronto e sua resolução.
X-Men - O Confronto Final tem razões para exibir um título tão apocalíptico. A seqüência dirigida por Brett Ratner dá um fim à trilogia, amarrando os pontos em aberto do segundo capítulo e fechando a franquia iniciada por Brian Singer, ainda que o final tenha um delicioso ar de “a história não acaba aqui” – é bom não deixar a sala antes que os créditos terminem. E embora crie finais aleatórios para personagens que têm toda uma vida fora do cinema, o que pode ser extremamente frustrante, as saídas que a trama usa e as tensões que cria fazem o filme funcionar bem. É, em geral, um ótimo espetáculo. Agora, fica pergunta: conseguirá Brian Singer levar o homem de aço além de onde chegaram os mutantes que ele abandonou?

domingo, maio 21, 2006

O Código Da Vinci

Jesus Cristo teria se casado com Maria Madalena e gerado descendentes? O Santo Graal, representação máxima do poder da Igreja na Terra, seria uma referência a essa descendência e não um cálice sagrado? Os códigos humanistas inseridos nas pinturas de Leonardo Da Vinci revelariam um segredo que a Igreja Católica protegeu por séculos? Dan Brown, autor do best seller mais comentado dos últimos tempos, teria roubado a teoria de outros estudiosos para criar a trama de O Código Da Vinci? Até aqui, apenas especulações. Acredita-se no que quiser. Vamos aos fatos e aos números. É certo que o romance de Brown vendeu 49 milhões de cópias e despertou reações infladas da Igreja Católica em todo o mundo, e no Brasil não foi diferente. E é óbvio que Hollywood não perderia a chance de transformar tanta polêmica em bilheteria e dinheiro. Impulsionado pela popularidade do livro, pegando carona na publicidade antecipada e gratuita, o projeto de 125 milhões de dólares foi levado à frente pelo produtor Brian Grazer, o diretor Ron Howard e o roteirista Akiva Goldsman. O trio oscarizado por Uma mente Brilhante havia ainda trabalhado junto em A Luta pela Esperança, mas dessa vez se separou do companheiro Russel Crowe para guiar Tom Hanks na adaptação de O Código (The Da Vinci Code, Estados Unidos, 2006) das páginas do livro para a tela de cinema. Hanks não é exatamente o que se chamaria de “Harrison Ford num terno da Harris Tweed Shop”, como seu personagem, Robert Langdon, é descrito no romance, mas mantém a pose nessa aventura de suspense acompanhado por um time estrelar. Audrey Tautou (que nem de longe lembra Amèlie Polain), Jean Reno, Sir Ian McKellen, Alfred Molina e Paul Bettany são alguns dos bons nomes que encabeçam o elenco.
Confesso que nunca tive muito interesse em ler o best seller de Dan Brown e, portanto, apesar de já ter ouvido antes as teorias exploradas pela trama, que são mais antigas do que a polêmica gerada pelo pai de Robert Langdon, a história me foi apresentada pela primeira vez através do filme de Ron Howard. Assim, minha análise do longa passará longe de questões problemáticas do tipo “O filme foi uma boa adaptação do livro?”, ou “O livro é bom”? A estrutura narrativa do suspense, no cinema e na literatura, mostra muitos traços comuns. O noir, grande reduto do gênero, que teve seu auge no cinema durante a década de 1950, descendeu da literatura de mesmo nome, mais antiga. Durante toda a historia que se seguiu, os dois formatos coexistiram e dialogaram. Como é de praxe, o herói aqui se vê envolvido em uma trama mirabolante, ao lado de uma mulher bonita, corajosa, forte e inteligente como ele, que precisa de proteção. Eles formam uma boa dupla e a atração que surge é inevitável, mas a paixão não vai além de uma tensão sugerida. O herói salva a moça, permitindo que ela encontre sua redenção. E, com o fim do mistério que os mantinha ligados, o casal fatalmente se separa.
Jacques Saunière, curador do museu do Louvre, é assassinado na noite em que iria se encontrar com Robert Langdon. Antes de morrer, o velho homem, membro importante do Priorado de Sião - sociedade secreta que protege há séculos um segredo capaz de mudar a história da humanidade - deixa na cena do crime insígnias que somente Langdon poderia decifrar. O professor mestre em simbologia torna-se o principal suspeito do crime. Perseguido pelo capitão da polícia francesa Bezu Fache (Reno) e por Silas (Bettany), um monge albino fanático a mando da Opus Dei, Langdon começa a seguir a trilha de códigos sugerida por Saunière, ao lado de Sophie Neveu (Tautou), criptógrafa do governo francês e neta da vítima.
A historia criada por Dan Brown traz um mínimo de verossimilhança. Embora o autor afirme que se baseou em pesquisas e fatos reais para desenvolver seu enredo, especialistas apontam uma série de erros na obra e um sem número de publicações entrou na dança tentando tirar proveito do sucesso enorme do livro que cutucou o cristianismo. Mas é sempre bom ter em mente que, polêmicas à parte, o O Código Da Vinci é uma obra de ficção, que usa as teorias provocativas à fé católica como um pano de fundo para sua teia de suspense.
O Código Da Vinci é um produto vendável, destinado ao grande público. E o será em qualquer formato que se encaixar, em papel ou em película, porque suas pretensões não vão além disso. O livro não deve ser mais do que o esperado de um bom best seller de suspense. O filme não é mais do que o esperado de uma superprodução eficiente. Ron Howard é reconhecidamente um diretor limitado. Dá conta da história, mas para narrá-la lança mão de uma série de saídas fáceis. Em O Código, não é diferente. Howard faz um uso excessivo de flash backs, a maneira mais simples – e, por que não dizer, simplória – de explicar a trama. Como é de seu feitio habitual, a música óbvia acompanha em crescendo os momentos de tensão e em instante algum consegue surpreender. À receita, misturam-se ainda inevitáveis cenas de ação para despertar a platéia e frases de efeito rasíssimas. Esses são apenas alguns dos muitos clichês que o diretor não se intimida em explorar. Em suma, Howard faz seu serviço, mas continua com preguiça de ousar. Visualizado por um outro diretor ou por uma outra equipe, o filme poderia talvez mostrar mais do que mostra pelos olhos de Ron Howard.
Tom Hanks não faz feio como o herói da trama. Ao contrário, sua presença é discreta, contida e até charmosa. Audrey Tautou garante personalidade à principal personagem feminina da história, uma qualidade interessante e de valor inestimável para o papel. O elenco coadjuvante tem peso. Tratam-se de atores sérios, capazes de conferir profundidade a qualquer papel que interpretem. É uma pena que o filme, talvez por obra da montagem, não abra mais espaço a suas participações. O Bezu Fache de Jean Reno, por exemplo, ganha contornos rasos demais, um desperdício para um ator desse porte.
As maiores estrelas do filme são as locações, grandes responsáveis pela gravidade e o charme do longa. O aval para filmar no Museu do Louvre, em Paris, Temple Church, em Londres, e Rosslyn Chapel, em Edimburgo, foram uma verdadeira benção à produção. Os cenários contextualizam a trama, enchem os olhos e emprestam um rebuscamento que, mais do que um belo luxo, mostra-se um fator essencial à história. A Abadia de Westminster precisou ser “dublada”. Sem a permissão para que fossem gravadas imagens em seu interior, a catedral de Lincolnshire fez as vezes do templo oficial das cerimônias religiosas da família real britânica, que foi filmada apenas por fora.
O Código da Vinci, o filme, é eficiente. Em grande parte, consegue envolver a platéia em suas reviravoltas, como um bom entretenimento. Tem um enredo interessante e eficaz, que cumpre aquilo que se presta a fazer. Competente. E não mais que isso. Hollywood, no sentido mais puro e simples do termo.