quinta-feira, agosto 11, 2005

Desventuras em série

Cenas lindas. Personagens excêntricos e interessantes. Tragédia do início ao fim. Esse é o mundo de Desventuras em Série (Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events, EUA, 2004). Como o próprio narrador adverte, não espere elfos meigos ou desfechos alegres na história dos irmãos Baudelaire: três órfãos à mercê de um tio ganancioso e capaz de tudo para ficar com o dinheiro dos herdeiros. Desventuras em Série é mesmo uma história de horror para crianças. A narração é crua e tem um caráter documental, como se o narrador Lemony Snicket (Jude Law) relatasse fatos que testemunhou, de forma imparcial. Seu discurso, entretanto, vai assustando o espectador ao enfatizar freqüentemente quão trágicas são as desventuras das três crianças.
O filme é irônico desde a animação de abertura e tem um visual sombrio, puxado para o gótico. Irônico, sombrio e gótico? Isso não lembra alguém? Sim. O visual do filme, dirigido por Brad Silberling, empresta muito de Tim Burton. Parte da equipe já tinha inclusive experiência nesse área: o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki foi indicado ao Oscar por A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, o designer de produção Rick Heinrichs começou a trabalhar com Burton no curta Vincent e Collen Atwood foi responsável pelos figurinos de Ed Wodd e Marte Ataca. Desventuras em Série mostra de fato um estilo Tim Burton, embora com menos humor e mais crueldade. A fotografia e a direção de arte são incríveis, capazes de embasbacar. Os enquadramentos de câmera resultam em imagens que impressionam. E todos esses recursos técnicos são usados em prol da história, para favorecer a forma como ela é contada e as sensações que quer provocar na platéia.
Além de trazer um elenco cheio de participações especiais, contando com Meryl Streep, Dustin Hoffman e Billy Connoly, o filme tem Jim Carrey em momento peculiar de sua carreira. Como Conde Olaf, o tio vilão que é o terror de Violet, Klaus e Sunny Baudelaire, Carrey pela primeira vez consegue ser exagerado sem comprometer a produção ou seu papel. Aliás, as excentricidades do ator são perfeitamente cabíveis aqui e fazem do conde um personagem interessantíssimo, que enche a história. O papel de Carrey exige um intérprete capaz de se exercitar, criando muitas faces para um mesmo personagem, algo que ele realizou muito bem. Tais faces, inclusive, deveriam não parecer convincentes já que o Conde Olaf é um ator egocêntrico e absolutamente canastrão. Todos os personagens que cria para recuperar a guarda das crianças soam falsos e mal elaborados. São incapazes de enganar os pequenos, mas, para desespero desses, facilmente levados a sério pelos adultos que deveriam lhes garantir proteção.
Os Baudelaire estão realmente sozinhos em um mundo desconhecido. O fato de haverem personagens com senso de responsabilidade para cuidar das crianças não as deixa menos abandonadas. Seus falecidos pais nunca são mostrados no filme e tal artifício faz o espectador compartilhar com Violet, Klaus e Sunny as sensações de abandono e insegurança. Não fugindo à temática, o próprio projeto para transformar a série de livros de Daniel Handler em filme foi repleto de eventos desastrosos. Problemas de toda sorte, e que são uma história à parte, rondaram a pré-produção da saga dos Baudelaire. Mas ao contrário da história das três crianças órfãs, essa saga teve final feliz, rendendo um filme trágico e diferente, baseado nos três primeiros livros da série infantil. Triste, mas capaz de oferecer ao público mistério, suspense e aventura. Desventuras em Série é um belo filme feito para desagradar.

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