domingo, agosto 28, 2005

2 Filhos de Francisco

O primeiro e único requisito necessário para entrar em uma sala de cinema e assistir a 2 Filhos de Francisco é perder o preconceito. Sim, o filme conta a trajetória da dupla Zezé di Camargo e Luciano. Sim, você vai ouvir música sertaneja. Muita. E provavelmente no fim da sessão sairá da sala com É o amor na cabeça. Mas não se assuste. Entre no cinema mais próximo e se deixe envolver pela história, porque ela vai além, muito além de propaganda para a dupla. Os fãs vão se divertir e se emocionar durante as duas horas de projeção. Os que não são fãs sentirão a mesma coisa. O filme não vai mudar opiniões sobre a música sertaneja, nem pretende fazer isso. O diretor estreante Breno Silveira acertou em cheio nesse ponto e a partir daí definiu o tom da história. Ela também tem sentido para aqueles que não gostam do som da dupla e as opções que o diretor fez para contá-la tornam óbvia sua intenção: atrair não só os admiradores, mas também o público não sertanejo. E talvez o mais eficaz dos artifícios para conquistar esse público tenha sido justamente a escolha da trilha sonora. Elaborada por Zezé e Caetano Veloso, conta com nomes renomados da MPB, como Maria Betânia e o próprio Caetano. Ouvir músicas rurais que não são da dupla, ou mesmo canções deles na voz de outros intérpretes facilita uma identificação do espectador que não é fã com a história, e confirma: a música de Zezé di Camargo e Luciano é uma coisa, o filme é outra bem diferente.
A primeira cena do longa, bem curta, mostra um show real, já atualmente. A câmera filma a multidão, mas não vemos os cantores. Ouvimos apenas suas vozes e a partir daí regredimos para 1962, quando começa a história dos dois filhos de Francisco. O espectador já conhece o fim do percurso, mas é exatamente o caminho que levou os dois irmãos ao sucesso notório de hoje que preenche o filme e surpreende o público. Francisco, vivido com um prazer perceptível por Ângelo Antônio, é um lavrador humilde, ignorante e fascinado pela música rural. Casado com Helena, muito bem interpretada por Dira Paes, é determinado desde o nascimento do primeiro filho (Zezé, ou melhor, Mirosmar) em fazer com que a partir de uma carreira musical ele possa ser alguém. Francisco é obcecado por essa idéia que acredita ser a única chance de uma vida melhor para os filhos. Por apostar de tal forma em algo que parece impossível, é visto como um louco. E realmente, apesar de os fatos serem reais, o personagem às vezes parece saído de uma fábula, tão incomuns são as atitudes que ele é capaz de tomar para investir em seu sonho. Troca pertences por instrumentos musicais para Mirosmar e Emival (os cantores mirins Dáblio Moreira e Marco Henrique), abandona a terra e se muda para Goiânia, onde a dupla poderia dar certo, cai no conto de um empresário picareta a quem confia os dois filhos (José Dumont), e por aí vai.
O longa de Breno Silveira tem o que falta a grande parte dos filmes nacionais, sobretudo os mais comercias como esse: um bom roteiro. É sim propaganda para a dupla, inegavelmente. Isso se torna óbvio principalmente nas últimas cenas, que mostram o Zezé e o Luciano reais com a família. E em alguns momentos (poucos e curtos, diga-se de passagem) não resiste e descamba para o melodrama ao rememorar a morte de Emival. Mas o que não falta ao filme são qualidades capazes de colocá-lo entre as mais corretas produções do cinema nacional mais recente. A primeira parte da projeção, amparada sobretudo em Francisco e nas crianças Mirosmar e Emival, atrai de cara o espectador, com doçura. A segunda, já focada no Zezé adulto, representado por Márcio Kierling, perde um pouco o ritmo. Ainda que não esteja mal no papel, Kierling às vezes é incapaz de despertar no público o carisma do ator mirim. Mas a esse ponto do filme o espectador já foi conquistado pela história, pela empatia entre Ângelo Antônio e a dupla infantil, que já não é a mesma entre Márcio Kierling e Thiago Mendonça, intérprete de Luciano.
2 Filhos de Francisco traz no enredo um Brasil rural que ainda não estamos muito acostumados a ver. A relação dos personagens com a conjuntura histórica é bem eficiente para ilustrar esse mundo. Há ótimas passagens e frases que mostram de forma engraçada a ignorância do povo simples em relação ao período da ditadura militar. A reconstituição de época em geral é boa. O figurino dos personagens durante a década de 80 é perfeito. O diretor foi muito feliz na escolha das cenas, capazes de contar a história de maneira precisa, sem delongas. Mérito, aliás, não só dele, mas também da montagem e da edição. Breno Silveira é direto no que quer dizer ao público. Para tanto faz uso de planos curtíssimos e de outros bem longos, sempre eficientes em passar ao espectador uma determinada idéia. Tudo isso substitui a linguagem verbal e contribui para não deixar o filme explicativo. Não é preciso usar sempre a fala dos personagens se há a possibilidade de recursos como close-ups, enfocando a expressão facial das pessoas e suas reações aos acontecimentos, planos-detalhe e sequências longas centradas, sobretudo, na linguagem corporal (como uma das primeiras cenas entre Zezé e Zilú). O elenco é em sua maioria excelente e os coadjuvantes são um espetáculo à parte. Lima Duarte, Jackson Antunes e José Dumont premiam o público com participações deliciosas. O filme, com orçamento de 6,3 milhões de reais, é uma grande produção para os padrões brasileiros. Durante os precisos 119 minutos que o espectador passar na sala de cinema assistindo à essa projeção pode ser que chore, dê gargalhadas e venha a admirar a trajetória dos sertanejos, ainda que não suporte a música que eles fazem. Excetuando-se os fãs de Zezé di Camargo e Luciano e os admiradores desse gênero musical em geral, é pouco provável que alguém saia do cinema direto para o show mais próximo da dupla. Mas 2 Filhos de Francisco, além de todas as suas inúmeras qualidades, tem um trunfo que não se pode negar: sabe envolver o público, conquistá-lo e fazê-lo se emocionar.

4 Comentários:

Às 11:22 AM , Blogger Cfelicori disse...

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Às 11:26 AM , Blogger Cfelicori disse...

ei isa, gostei muito do comentário, aliás, gostei muito do filme!! A única coisa que você não falou foi da beleza das cenas, pelo menos foi o que eu achei... achei linda a fotografia, principalmente da primeira parte! bjo

 
Às 2:15 PM , Anonymous Anônimo disse...

Nó Dendeca... VC fez ter uma visão diferente desse filme... Tipo eu criei mó imaginação na minha cabeça quando minha mãe falava: Quero assistir esse filme!!! Ja vinha na minha cabeça ela assistindo ele 44 vezes, comprando Cd e ouvindo ele até derreter... Foi bom eu ter lido seu comentario.. Menus mal... Agora posso ficar mais tranquilo... Parabéns pelo Blog...

 
Às 11:08 AM , Anonymous Anônimo disse...

bella li o comentario do filme e vi q vc foi mto feliz ao escrever issu pq é exatamnete issu q acontece no filme... parabens e continue assim pq vc vai longe!!!
bjos bella e parabens!!!

 

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