quinta-feira, outubro 20, 2005

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Qual seria a sua reação ao ler uma mensagem dizendo que o amor da sua vida passou por uma operação que apagou todas as memórias referentes a você da mente dele? Em nosso mundo real isso seria inimaginável. Mas quando o assunto é Charlie Kauffman, nunca podemos esperar o trivial. Colocando John Cusack para trabalhar no andar sete e meio de um edifício em Quero Ser John Malkovich, de 1999, ou emprestando sua identidade e a de um irmão gêmeo a Nicolas Cage em Adaptação, de 2002, Kauffman ignora o sentido da palavra inimaginável. Em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spoteless Mind, EUA, 2004) as bizarrices do roteirista são mais doces do que nunca. Dessa vez é Jim Carrey quem encarna o protagonista introspectivo e desiludido, marca registrada de Charlie. Depois de descobrir que sua ex-namorada Clementine (Kate Winslet) havia realizado um tratamento para apagar as lembranças de seu conturbado relacionamento, Joel Barish (Carrey) decide se submeter ao mesmo processo. Mas enquanto suas memórias vão sendo apagadas, Joel percebe que pior do que passar pela dor da separação seria esquecer todas as boas lembranças. E a partir daí ele vai travar uma batalha épica dentro de sua mente para não deixar que Clementine seja irremediavelmente apagada.
Brilho Eterno mostra nas telas um elenco talentosíssimo, de nomes já respeitados em Hollywood, como Jim Carrey e Kate Winslet, e outros que estão firmando agora seus lugares, como Mark Ruffallo, Kirstin Dunst e Elijah Wood. Mas o diretor Michael Gondry foi sincero ao declarar que a verdadeira estrela do filme é mesmo Charlie Kauffman. Depois de seis anos escrevendo para programas de TV, Kauffman estreou no universo do cinema com Quero Ser John Malkovich e nessa primeira experiência já provou ao mundo ser dono de uma criatividade rara. O talento lhe abriu as portas da indústria cinematográfica e despertou o interesse das grandes estrelas em seus textos peculiares. E se existe uma lição a ser tirada de seus cinco trabalhos no cinema é: jamais limite seu controle criativo. Kauffman se tornou um roteirista de nome tão forte quanto o de um diretor e, na velha rixa entre as áreas de roteiro e direção para imprimir suas marcas às produções, ajudou a demonstrar que, ao invés de uma disputa, o ideal seria uma aliança entre as duas funções. Trabalhando dessa forma, realizou belos trabalhos em parceria com Spike Jonze (Quero Ser John Malcovich, Adaptação) e Michael Gondry (também diretor de A Natureza Quase Humana, de 2001). Mas foi deixado de fora das filmagens e das mudanças no texto de Confissões de Uma mente Perigosa, dirigido por George Clooney em 2002. O resultado foi um filme com roteiro defasado, sem o brilhantismo dos demais.
Na mente imprevisível de Charlie Kauffman os personagens ganham traços de sua própria personalidade ou características que lhe atraem. Talvez venha daí a impressão freqüente de que, por mais improváveis que sejam as bases do mundo que ele cria, o roteirista sabe bem do que está falando. Aquele universo estranho, rico de subjetividade e metalinguagem, existe dentro dele. E Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças não foge ao estilo. A começar pelo título, tirado do poema Eloisa to Abelard, de Alexander Pope. Kauffman já havia feito referência ao poema em um show de marionetes de Quero Ser John Malkovich e, procurando citações para Mary, a recepcionista vivida por Kirstin Dunst, se deparou com o seguinte trecho: “Como é feliz o destino do inocente vestal. Esquecendo o mundo, pelo mundo esquecido. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Cada prece aceita e cada desejo atendido”. Gostou da melancolia desse pensamento e acreditou não haver título mais cabível. O filme é uma comédia-romântica triste, lírica e delicada que desperta alguns questionamentos. Se você e o seu amor tivessem uma nova chance, se arriscariam de novo mesmo sabendo que o final poderia não ser feliz? Vale a pena apagar uma parte da sua vida para evitar o sofrimento? O amor sobrevive mesmo a tudo?
O filme tem início no dia dos namorados de 2004. Desiludido, achando sua vida desinteressante, Joel Barish, apesar de não ser uma pessoa impulsiva, mata o trabalho e vai para Montauk, sem saber bem o porque, já que a praia está gelada em fevereiro. Lá conhece Clementine, e se questiona “por que eu me apaixono por qualquer mulher que me dê um mínimo de atenção”? O interesse que surge entre os dois, criaturas absolutamente diferentes, é imediato. E então vamos testemunhando a intimidade estranha de duas pessoas que acabaram de se conhecer, para, instantes depois, observarmos Joey dirigindo aos prantos, numa atitude clara de quem está sofrendo pelo fim de um relacionamento. Muito da história se passa na mente de Joel, enquanto suas memórias vão sendo apagadas. E essa invencionice de Kauffman foi o pretexto ideal para que o diretor Michael Gondry e sua equipe criassem o espetáculo visual que se vê na tela. Brilho Eterno é um ótimo exemplo de como a técnica pode agir a favor da narrativa no cinema. Jump-cuts (ou cortes que omitem ação), passagens de uma seqüência para outra sem cortes, imagens escuras que dão destaque aos pontos de luz colorida e uma capacidade imensa de aproveitar o improviso (como a cena do circo, que inicialmente não estava prevista no roteiro) constroem o universo espetacular e imprevisível do filme. Aqui, tudo é verossímil, porque grande parte da ação transcorre nos corredores da mente de Joel, como num sonho.
A peculiaridade de Charlie Kauffman, que se torna nítida nesse filme, é ser capaz de fazer o absurdo parecer natural de uma forma única e incrivelmente doce. Mas o mérito pela beleza e poesia de Brilho Eterno não pode ser dado somente ao roteiro. É também da direção sensível de Gondry, do timing perfeito de Jim Carrey, contido quando deve ser e expressivo como só ele sabe ser quando é necessário, da vivacidade de Kate Winslet e da seriedade do talentoso elenco coadjuvante. A harmonia desse filme se deve muito à confiança que toda a equipe parece ter depositado na obra de Kauffman, o homem com uma mente cheia de idéias extraordinárias que, mais do que nunca, provou com essa história como algo tão delicado é capaz de te destroçar.

1 Comentários:

Às 10:36 PM , Anonymous Anônimo disse...

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