terça-feira, setembro 27, 2005

A Vida em Preto e Branco

Honey, I´m home! Depois de colocar sua maleta no chão e pendurar o chapéu, George Parker (William H. Macy) diz a frase para a esposa Betty (Joan Allen). Ele repete essa seqüência dia após dia em um seriado de TV dos anos 50 intitulado Pleasantville. É esse mundo que o adolescente solitário David (Tobey Maguire, antes de se tornar o Homem Aranha) admira com fervor. Assim como todos na fictícia cidade, a família Parker tem uma vida agradável e linear, o que faz do programa o escape de David para o mundo acelerado e confuso em que vive. Ao contrário dele, sua irmã gêmea Jennifer (Reese Whisterpoon, antes de ser Legalmente Loira), não tem reclamações desse mundo. Cada vez mais popular, consegue marcar um encontro em sua casa com um dos garotos mais cobiçados do colégio, para assistirem juntos à MTV. Surge então um problema, já que o programa que Jennifer quer ver vai ao ar no mesmo horário da Maratona Pleasantville, que David espera há um ano para assistir. Como bons - e típicos - irmãos adolescentes, nenhum dos dois que abrir mão da TV com som estéreo e, na disputa pelo controle-remoto, esse acaba se quebrando. Quase que no mesmo instante, um estranho sujeito misteriosamente toca a campainha e oferece aos gêmeos a solução: um controle "bem mais poderoso”. E durante a nova briga pelo controle, num passe de mágica, David e Jennifer são transportados para dentro da televisão, se transformando em Bud e Mary Sue, os filhos de George e Betty Parker.
A Vida em Preto e Branco (Pleasantville, EUA, 1998) é assim: uma fantasia em tom de fábula. O tipo de filme que, por dizer tanta coisa, faz ser difícil falar sobre ele. Filmado totalmente a cores, passou mais tarde por um processo em que elas foram retiradas e substituídas pelo preto e branco. O intuito não era apenas criar a belíssima fotografia, mas também construir um visual necessário para transmitir ao espectador uma série de conceitos. A vida sem cor de Pleasantville é agradável e cordial, somente. Não se sofre, mas também não se vive. Cada um é aquilo que querem que ele seja. Faz-se sempre o que esperam de você e sabe-se exatamente como a vida vai transcorrer. Claro, mas sem nunca ser agressivo, o filme é uma crítica à essa vida harmônica e previsível, que segue um roteiro já pré-determinado. Os habitantes de Pleasantville, em sua rotina equilibrada, vivem em meio a livros em branco e objetos incapazes de pegar fogo. As ruas da cidade fazem um círculo, pois jamais se imaginou que pudesse haver algo além daquele lugar.
A inserção dos dois irmãos nesse ambiente vem para mostrar que a vida pode ser mais do que apenas agradável. A partir desse contato com quem conhece um mundo maior do que aquele incolor, os moradores da cidade começam a descobrir sabores e prazeres, como o sexo e os livros, agora cheios de palavras, e sentimentos como a paixão, a raiva e a coragem. Esse contato com o novo também vai trazer descobertas para David e Jennifer, e, aos poucos, a vida em preto e branco vai ganhando pinceladas de cor: desde rosas, frutos, carros e vitrines, até as próprias pessoas. O visual é magnífico, garantindo cenas marcantes de encher os olhos e a alma. Mas tantas mudanças perturbam a ordem constituída, fazendo nascer na cidade um movimento de repressão. E aí o filme traz novamente à tona aspectos da vida contemporânea, como a sociedade patriarcal e a intolerância àquilo que é diferente.
A fita, dirigida por Gary Ross (de Seabiscuit), é uma comédia colorida com drama, poesia e leveza, repleta de metáforas visuais. Não foi em vão que recebeu indicação aos oscars de melhor direção de arte, figurino e trilha sonora. A trilha doce, o apuro artístico e o comprometimento dos atores garantem a suspensão e o tom fabuloso. William H. Macy e Joan Allen encantam como os chefes da família Parker: personagens acostumados a seguir um roteiro e que, de repente, são surpreendidos pelas venturas e desventuras de novidades imprevisíveis. Há um mundo fascinante a ser descoberto nas entrelinhas de A Vida em Preto e Branco. Mas, melhor do que dizer qualquer coisa a respeito, é conferir esse filme único. Tão poético e delicado quanto a vida deve ser.

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